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07 abril, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 2 Adrienne Rich

MULHERES

As minhas três irmãs estão sentadas
em rochas de obsidiana negra.
Pela primeira vez, nesta luz, consigo ver quem são.
A minha primeira irmã está a coser o seu fato para a procissão.
Ela vai de dama Transparente
e todos os seus nervos serão visíveis.
A minha segunda irmã também está a coser,
a costura sobre o coração que nunca cicatrizou inteiramente.
Ela espera que, por fim, este aperto no seu peito se alivie.
A minha terceira irmã está olhando fixamente
para a crosta vermelha escura que alastra para ocidente, para longe
[no mar
Tem as meias rotas, mas é linda.

........

MERGULHANDO NOS DESTROÇOS

Vim explorar os destroços.
As palavras são intenções.
As palavras são mapas.
Vim ver o estrago causado
e os tesouros que prevalecem.
Atingi com o feixe da minha lanterna
devagar ao longo do flanco
algo mais permanente
que peixes ou algas
A coisa para que vim:
os destroços e não a história dos destroços
a própria coisa e não o mito
o rosto afogado olhando sempre
para o sol
a evidência do estrago
tornado pelo sal e pelo balanço nesta beleza puída
as costelas do desastre

Adrienne Rich (EUA, 1929-2012)  (tradução de Cristina Tavares e José Pinto de Sá)

16 outubro, 2016



The possibilities that exist between two people, or among a group of people, are a kind of alchemy. They are the most interesting thing in life.



Adrienne Rich, On Lies, Secrets and Silence: Selected Prose 1966-1978 


06 outubro, 2016

the angel

Harry Callahan, Detroit, 1942


(...)

It’s true       there are moments
closer and closer together
when words stick       in my throat
                                          ‘the art of love’
                                          ‘the art of words’
I get your message Gabriel
just        will you stay looking
straight at me
awhile longer




Adrienne Rich, Collected Early Poems: 1950-1970


15 abril, 2016

Emily e Adrienne

CT, Emily (crowend head), 2014


























The study of silence has long engrossed me. The matrix of a poet’s work consists not only of what is there to be absorbed and worked on, but also of what is missing, desaparecido, rendered unspeakable, thus unthinkable. It is through these invisible holes in reality that poetry makes its way — certainly for women and other marginalized subjects and for disempowered and colonized peoples generally, but ultimately for all who practice any art at its deeper levels. The impulse to create begins — often terribly and fearfully — in a tunnel of silence. Every real poem is the breaking of an existing silence, and the first question we might ask any poem is, What kind of voice is breaking silence, and what kind of silence is being broken?


Adrienne Rich , “Arts of the Possible : Essays and Conversations”

20 março, 2016

a tua pedra está lá

Dantes quando eu escrevia poemas eles não mudavam
deixados de noite sobre a página

ficavam como estavam e a luz do dia rompia
nos versos, como na corda da roupa no pátio

ajoujada com o peso de roupas esquecidas ou deixadas ficar
para um sol melhor no dia seguinte

Mas agora sei o que acontece enquanto durmo
e quando acordo o poema mudou:

os factos dilataram-no, ou cancelaram-no;
e à luz de cada manhã, a tua pedra está lá.



Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem  (trad. Mª Irene Ramalho e Mónica Varese Andrade)



14 março, 2016

Adrienne Rich

Na madeira velha, baratucha, riscada, da mesinha da máquina de escrever
há uma paisagem, feita de veios, que só uma criança pode ver
ou o eu mais velho da criança,
uma mulher sonhando quando devia estar a bater à máquina
o último relatório do dia.      Se isto fosse um mapa,
pensa ela, um mapa decretado para memorizar
podendo ela talvez percorrê-lo, ele mostra
cordilheira atrás de cordilheira esbatendo-se no deserto nebulento,
aqui e além um sinal de aquíferos
e um possível bebedouro.         Se isto fosse um mapa
seria o mapa da última idade da tua vida,
não um mapa de escolhas mas um mapa de variações
sobre a escolha maior. Seria o mapa pelo qual
ela poderia ver o fim das escolhas turísticas,
de distâncias azuladas e arroxeadas de romantismo,
pelo qual ela reconheceria que a poesia
não é revolução mas uma forma de saber
por que tem de vir a revolução.     Se esta mesinha de madeira baratucha,
produzida em massa porém duradoura, presente agora aqui,
é o que é porém um mapa-de-sonho
tão renitente, tão simples,
pensa ela, o material e o sonho podem juntar-se
e isso é o poema e isso é o relatório retardatário.


Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem  (trad. Mª Irene Ramalho e Mónica Varese Andrade)



04 dezembro, 2014

Caminho rapidamente por entre estrias de luz e escuridão lançadas 
                                                   debaixo de uma arcada. 
Sou uma mulher na força da vida, com certos poderes
e esses poderes severamente limitados
por autoridades cujas caras raramente vejo.
Sou uma mulher na força da vida
que conduz o seu poeta morto num Rolls-Royce preto
por uma paisagem de crepúsculos e espinhos.
Uma mulher com uma certa missão,
a qual, se cumprida à letra, a deixará intacta.
Uma mulher com nervos de pantera
uma mulher com contactos com os Hells's Angels
uma mulher que sente a plenitude dos seus poderes
no preciso momento em que não os pode usar
uma mulher que jurou lucidez
que vê por entre a desordem, por entre os fogos fumarentos
destas ruas subterrâneas
o seu poeta morto aprendendo a andar para trás contra o vento
do lado errado do espelho

Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem

Adrienne Rich

Atirando com a cafeteira para o lava-louça
ela ouve os anjos a repreender, e olha para lá 
dos quintais amanhados para o céu desleixado.
Só há uma semana Eles disseram, Não tenhas paciência.

A seguir foi, Sê insaciável.
Depois, Salva-te a ti própria, outros não podes salvar.
Por vezes ela deixa que a água da torneira lhe escalde o braço,
que um fósforo lhe arda até à unha,

Ou põe a mão por cima do focinho da chaleira
precisamente no vapor enovelado. Se calhar são anjos,
já que nada mais a magoa agora, excepto
o saibro das manhãs a soprar-lhe os olhos.

Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem


Ernest Bieler, Mountain Landscape, 1896

24 maio, 2014

Junto palavras na máquina de escrever, pela noite dentro, pensando no dia de hoje. Tão bem que nós falávamos todos. Uma língua é um mapa dos nossos erros. Frederick Douglass escrevia num inglês mais puro que o de Milton. As pessoas sofrem deseperadamente na pobreza. Existem métodos,  mas não os usamos. Joana, que não sabia ler, falava uma forma camponesa de francês. Algum do sofrimento é: é duro dizer a verdade; isto é a América; não posso tocar-te agora. Na América temos só o tempo presente. Estou em perigo. Estás em perigo. O queimar de um livro não desperta em mim qualquer sensação. Sei que queimar dói. Há chamas de napalme em Catonsville, Maryland. Sei que queimar dói. A máquina de escrever está sobreaquecida, a minha boca queima, não te posso tocar agora e esta é a língua do opressor.


Adrienne Rich, 1968 (tradução Ana Luísa Amaral)