Quero dormir como dormem as maçãs,
afastar-me do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir como dorme o garoto
que queria cortar o coração no mar alto.
Não quero que me repitam que os mortos não perdem o sangue;
que a boca podre continua a pedir água.
Não quero saber dos martírios que dá a relva,
nem da lua com boca de serpente
trabalhando antes de amanhecer.
Quero dormir um instante,
um instante, um minuto, um século;
mas que saibam todos que não morri;
que sou o pequeno amigo do vento Oeste,
que sou a sombra imensa de minhas lágrimas.
Cobre-me com um véu pela aurora,
porque me arrojará punhados de formigas,
molha com água dura os meus sapatos
para que a pinça do seu lacrau resvale.
Quero dormir como dormem as maçãs,
aprender um pranto que me limpe a terra;
quero viver como o garoto sombrio
que no mar alto queria cortar o coração.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
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