Samuel Joshua Beckett, Louie Fuller Dancing, c.1900 |
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26 março, 2017
Mbate Pedro
não
esperar para além do esgar do papel
não
esperar para além da fecundidade do não pedido
demorar
as palavras na mão
fazer
crescer qualquer coisa com três
metros
e meio de altura e alguns centímetros
de
comprimento
pacientar-se
deixar
meio milímetro livre entre duas palavras
dois
vírgula sete centímetros para
caberem
as oito letras da angústia
ousar
abrir o esporão das vírgulas
levantar
os pontos de exclamação até à altura do
silêncio
e da
eternidade
passear
os olhos pelos quatro cantos do
papel
como se lhe procurássemos a nudez disfarçada
de
súbito
deixar
cair os olhos
nesse
espaço alegre entre duas linhas
contemplar
a
brancura do papel como se ao amarrotá-lo
se
soltassem as flores
ver
despontar — como caranguejos que o mar
despreza –
a
escrita circular e a consciência do encarcerado
Mbate Pedro, Vácuos, Moçambique, 2017
25 março, 2017
Seamus, ainda
Quando nada
mais tiveres a dizer, conduz
Um dia inteiro
contornando a península.
O céu tão
alto como sobre uma pista,
A terra sem
marcas que digam se chegamos,
Sempre a
caminho, mas sempre aquém de avistar terra.
Ao sol-pôr,
horizontes sorvem mar e colina,
O campo
lavrado engole a branca empena
E estás de
novo no escuro. Agora relembra
O brilho da
areia, um tronco em silhueta,
Aquela rocha
que esfarrapava as ondas,
Aves
marinhas com pernas como andas,
Ilhas
navegando por entre a névoa,
E regressas
a casa sem nada p’ra dizer
A não ser
que agora lerás qualquer paisagem
Assim: a
nitidez das coisas em suas formas,
Água e terra
definidas nos seus limites.
Seamus Heaney, Da
Terra À Luz