03 fevereiro, 2018

Frederico Mira George

#38

pentearam-me arranjaram-me um fato
calçaram-me sapatos engraxados
e fecharam-me os olhos com pás de terra
cheira a mercúrio e a volfrâmio
as calças são boas mas apertadas - ?de quem terão sido
e os sapatos
/não cabiam - uma mãe rezando partiu-me as falanges
resultou na perfeição

antes da descida final
antes de ser posto o selo
a mulher mãe-rezadora envolveu-me um terço de rosário
nas mãos - prata brilhante
e desci - tranquilo
para a escuridão generosa
da plantação
continuo tranquilo apesar de não encontrar o coração
no peito nem sentir os olhos nas cavidades do crânio

quando rebentarem as primeiras folhas no solo
voltarei a ver o mar/a praça/os automóveis
os homens e as mulheres dentro dos automóveis
voltarei ao princípio - à cama onde nasci
descanso em paz enquanto germino

Frederico Mira George, Caixa Negra -1º vol., edições quási


Cristina Tavares, B&W, 2017

3 comentários:

  1. Obrigado por recordares este poema. Acho que estas colagens a B&W, ficariam muito bem incluídas numa edição que finalmente publicasse os dois volumes - oito livros, da Caixa Negra, uma vez que a quasi só chegou a publicar o primeiro volume - quatro primeiros livros. Não digo como ilustrações no sentido estrito do termo, mas fazendo mesmo parte dos livros.

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  2. Então é porque não se faz agora?

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