22 abril, 2012

a voz 41-50


41.
estás ao lado da estrela polar
e do guizo das constelações.



42.
um momento feliz
um momento feliz
um momento feliz



43.
a viagem poderá ser prolongada
a bordo de uma borboleta.



44.
o general seguiu o lírio
meditando nas estirpes da neve.




45.
vimos, no meio da multidão,
indetectáveis  aves, violoncelos em trânsito.




46.
lume
que flutua
sobre os órgãos.




47.
as células vegetais
dos meus olhos
simplificam tudo.




48.
qualquer caligrafia
apura o som.




49.
exprime a ideia do amor
absoluto
a flor.



50.
aquele que não viaja
já chegou.

20 abril, 2012

a voz 31-40


31.
os animais dotados de pianos interiores
entram em primeiro lugar.



32.
segredo de um coelho:
pés de veludo azul.



33.
seguir novamente
em torno do eixo
de uma só ideia.



34.
o projeccionista
deixou a conta sobre a mesa.



36.
promulgo a lei do mais fraco
tremor.



37.
um campo solitário e ermo
esta palavra.



38.
assisto à duração de vida de um lago.



39.
seria útil
uma breve explicação
deste murmúrio.



40.
quando escrevo
deixo de sonhar a cores.

19 abril, 2012

a voz 21-30


21.
este é um quadro pintado
no verniz da opala.



22.
junto os dedos
separar-me de ti.



23.
eu mesmo devastarei esta terra
pequena região da palavra.



24.
a céu aberto
a sombra.



25.
não hesito em conspirar com os 
minerais.



26.
sopro
em frente dos lábios
a rosa.



27.
todos os dias
sem nunca deixar de ouvir
a paciência.



28.
aí nos surge o tempo
de voltar a partir.



29.
brinco ao insaciável jardim de emily.



30.
movimento circular
do poema
em voo.

17 abril, 2012

a voz 11-20


11.
para os que querem saber
mostra-lhe o que vagueia
sem voz.


12.
costurar
o dia à noite.



13.
criação de um curso de água
junto à voz.



14.
chamei-lhe
flor
ou abismo?



15.
uma das notícias
do espelho
é sempre nova.



16.
penso em  desenhar
a giz
num sopro de ar.



17.
acima das nossas cabeças
bem acima das nossas forças.



18.
pelo que é claro
observo.




19.
uma flauta
num curso de água
através do deserto



20.
assim conseguíssemos ter
a aridez e a desolação.

16 abril, 2012

a voz 1-10


a voz
cristina tavares, 2011

1.
a voz
o veludo


2.
seguindo um cálculo rigoroso
o homem desenterra uma estátua
suja, partida, imprecisa.



3.
as abelhas
reúnem-se em segredo
todos os dias no mesmo sítio.



4.
suster as lágrimas
suprir a ausência de ar
subida ao Vesúvio.



5.
disse que não sabia nada
das classes altas do sol,
mas estendia os anéis à luz.



6.
a voz é um passageiro do ar.



7.
fiquei a saber muitas coisas
passei a sentir tudo.



8.
quando chovia
ou então nas pontes
ouvíamos
de relance
os mesmos pensamentos.



9.
nunca ninguém ensinou
a desfazer os nós dos dedos.



10.
a altura de deus mede-se
pelo tamanho do seu rasto.

15 abril, 2012

belos disparates de amor (81 a 85)


81.
ajudo a atravessar a rua
os que salvarão os cegos de cair.


82.
hoje
quem reparou
no ramo de nuvens
a dormir?


83.
deve realmente amar o chão
o alto sol.


84.
como outro qualquer insecto
os meus dedos mal reagem à leveza.


85.
tu dás-me vontade
de continuar a escrever.


14 abril, 2012

belos disparates de amor (71 a 80)


71.
para significar o que é uma promessa
aponto o que foi cumprido.


72.
uma bela pintura não se deve 
recomendar a ninguém.
é preciso fazer figas
e esperar que a descubram.


73.
é crescente
o meu entusiasmo
pela lua nova.


74.
é imperdoável não perdoar.


75.
tive de dizer
bom dia
à noite.


76.
acho que os rapazes pequenos
ouvem melhor o que não é dito.


77.
íamos de vez em quando
respirar sobre os túmulos dos poetas.


78.
tive a sorte de percorrer o mundo
das rosas.


79.
continuo a dizer
acompanha-me.


80.
insondável
o escaravelho
não responde ao eco.

13 abril, 2012

belos disparates de amor (61 a 70)


61.
um bandido mascarado
a dor.


62.
no coração de ticiano
apoiam-se duas andorinhas.


63.
esforcei-me muito por aprender a amar
o vento.


64.
não sei como descrever
a maneira como fechas o olhos.


65.
temos a mesma idade
mas falamos de maneira diferente
da fidelidade ao ar.


66.
pequenas aquisições de glória
estes malmequeres.


67.
todos os mestres antigos sabiam
descobrir o mundo
debaixo de uma folha.

68.
sempre que exulto
com a luz da manhã
alguém escurece.


69.
como se me pudesse esquecer
das flores da cerejeira.


70.
ando a aprender a fazer
origami dos meus pensamentos.

12 abril, 2012

belos disparates de amor (51 a 60)


51.
consigo escrever a tua morada em
francês,
vês?



52.
ocupam cerca de trezentas salas
todas as cartas
que me escreveste.


53.
não visitámos veneza.
havemos de lá voltar um dia.


54.
no bolso do peito
80 pulsações por minuto.


55.
habituei-me tanto
a ti como ao sol.


56.
do alto desta janela
vejo o mausoléu de paul éluard.


57.
quando te escrevia tudo
desconfiava do tudo.


58.
aqui repousa
o irmão do silêncio.


59.
andava com envelopes
e selos estrangeiros nos bolsos
enquanto mergulhava.


60.
jamais existiu essa palavra que me deste.