12 abril, 2012

belos disparates de amor (51 a 60)


51.
consigo escrever a tua morada em
francês,
vês?



52.
ocupam cerca de trezentas salas
todas as cartas
que me escreveste.


53.
não visitámos veneza.
havemos de lá voltar um dia.


54.
no bolso do peito
80 pulsações por minuto.


55.
habituei-me tanto
a ti como ao sol.


56.
do alto desta janela
vejo o mausoléu de paul éluard.


57.
quando te escrevia tudo
desconfiava do tudo.


58.
aqui repousa
o irmão do silêncio.


59.
andava com envelopes
e selos estrangeiros nos bolsos
enquanto mergulhava.


60.
jamais existiu essa palavra que me deste.

11 abril, 2012

belos disparates de amor (41a 50)


41.
prefiro avançar diretamente
para o sonho.


42.
uma gravata branca no peito da andorinha noiva.


43.
preocupo-me com as migalhas.



44.
foi uma festa magnífica,
o silêncio.


45.
a mão do meu rival
fez murchar a relva.


46.
a verdade
acena-me para sempre.


47.
lemos, fumamos,
espreitamos pela janela,
damos que pensar,
ah o poder ilimitado do líquido amor.


48.
uso só um remo
como nas gôndolas
ah o poder ilimitado do líquido amor.


49.
nós estamos encantados.
só que não sabemos.


50.
estou a supor que me ouves,
náutilo
minha irmã.

09 abril, 2012

belos disparates de amor (31 a 40)


31.
as laranjas doces
olham para o espelho polido
da minha boca.


32.
onde é que começa a realidade
e acaba o reflexo?
diz lá outra vez.


33.
luzes e sombras
guardadas
nos olhos fechados.


34.
não retiro uma só flor ao teu nome.


35.
vigora
ainda
a lei da água cristalina.


36.
comia de bom grado
a fome.


37.
ajudei os gafanhotos a mudar de cor.


38.
volto à comparação
dos sons com que digo
o teu nome.


39.
um par de anos
um par de meias
um par de dedos
um par de despedidas.


40.
anoitecer.
levantou-se o ouro
e foi para casa.

08 abril, 2012

belos disparates de amor (21 a 30)


21.
o melhor a fazer é tecer de ouro
as tuas palavras.


22.
contei de novo
pelos dedos
quinze mil espécies
diferentes
nos meus sonhos.

és muito variado.


23.
no chão de mármore os teus pés de ouro. 


24.
a maior parte do braço nu
está sobre a mesa
na toalha pálida da confiança.


25.
todas as veias, artérias ,
músculos e tendões
aceitam a minha nova condição
de pedra.


26.
parecia uma réplica exacta
mas algo não batia certo.


27.
não fui capaz de anotar tudo
mas fiz o meu melhor
quando é que volta o jardineiro?


28.
ficou com o beijo.
e com um molho de chaves inúteis.



29.
debruçou-se da janela e gritou
em direção às nuvens velozes.


30.
um grupo de polícias
explicava porque é que era manhã.

07 abril, 2012

belos disparates de amor (11 a 20)


11.
sinos, torres, templos de prata,
estátuas a caminhar pela rua
ao sol.


12.
dedicou toda a vida à vida
agora espera um momento de sossego.


13.
o general seguiu o lírio
com os ombros curvados.
grandes notícias.


14.
a mentira é um disparate com asas.


15.
tento convencê-lo de que é real
o espírito de bronze é que não acredita.


16.
um arco perfeito sobre a nossa cabeça
a que outra coroa aspirar?


17.
aprendo  a ser
pela poesia


18.
eu talvez nem mencionasse essa guerra
se a primavera não me atirasse de volta
o pólen em sangue.


19.
espero a carta que nunca chegará
grito impropérios ao carteiro que passa
lanço-lhe um olhar de medusa

junto ao canteiro da frente
cinquenta estátuas com selo.


20.
hei-de voltar a este sítio
digo antes de morrer.

06 abril, 2012

belos disparates de amor (1 a 10)




belos disparates de amor
CT, 2011


1.
construídos com ouro,
belos disparates de amor.


2.
experimentem refletir neste problema.


3.
não se queixam.
mergulham no mar.


4.
os homens dormem numa divisão,
hipopótamos, dragões, ursos polares.

de uma forma ou de outra,
o importante
é não deixar ninguém.


5.
estaremos realmente
no sono?


6.
ninguém percebe que queira estar longe de ti
meu corpo.


7.
nascido para o trono
o mistério é sair de lá.


8.
espreguiço-me no perigo
é esse o desejo supremo.
tranquilidade inquieta.


9.
quase sem nenhum ornamento
a jóia nua.


10.
dorme dorme dorme,
meu grito.

05 abril, 2012

Vija e a transparência

Vija Celmins, Star field III, desenho, 1982/83

"Como viverias se os teus pensamentos fossem transparentes? Se os outros os pudessem ler? Na sua totalidade?"   
 in a bordo

04 abril, 2012


Manoel outra vez


Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas -
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
agramática.
Manoel de Barros

17 março, 2012

Sigmar e Manoel














Sigmar Polke,1990


"A função da poesia é encantar palavras. Tem outra: enlouquecer as palavras para que elas transmitam nossos delírios. Tem outra função ainda, que é a de renovar o idioma. Poesia é a loucura das palavras. (...) é preciso ensinar que o cheiro do lírio também é branco, (...) O que informa a palavra poética são nossas memórias fósseis. Nós moramos nas nossas antecedências. De lá a palavra nos traz. E só a invenção nos retira de lá."

Manoel de Barros




16 março, 2012

11 março, 2012

Manoel

Eu escuto a cor do passarinho.

Manoel de Barros

10 março, 2012

Eila e Emma

Como um inseto
imóvel no ramo
quero semear
algo que ninguém
procure, veja, persiga.

Eila Kivikkaho


Emma Spencer
c.1899

a grief observed

"Nunca ninguém me tinha dito que a dor se assemelhava tanto ao medo. Não que esteja assustado, mas a sensação é a de estar assustado. A mesma ânsia no estomâgo, o mesmo desassossego, os bocejos. Não páro de engolir em seco.
Noutras alturas é como estar ligeiramente ébrio ou ter sofrido uma pancada na cabeça. Há uma espécie de pano invisível entre mim e o mundo. sinto dificuldade em compreender o que me dizem. Ou talvez dificuldade em desejar compreender.
...
Nunca sabemos até que ponto acreditamos realmente nalguma coisa, até que a sua veracidade ou falsidade se tornam para nós uma questão de vida ou de morte.
...
Senhor,são estas as vossas verdadeiras condições? Poderei reencontrar H. somente se aprender a amar-vos tanto que não me importe se a encontro ou não?


"Dor", C.S. Lewis

Sigmar Polke,1986


Ilse Bing,1932

29 julho, 2011

a ler Klee (uma espécie de esperança)

"52. Berna, 10/11/1897 À medida que o tempo passa, cresce em mim o medo do meu amor cada vez maior pela música."

53. Berna, 12/12/1897 Depois de algum tempo, resolvi folhear alguns dos meus cadernos de esboços. Senti então como se uma espécie de esperança voltasse a despertar dentro de mim."

56. Berna, 31/01/1898 Em Dahlholzi deitei-me na terra. Durante muito tempo fiquei olhando as copas dos pinheiros balançando ao vento. O sussurro, um estalido e atrito dos galhos. Música.
(...) Em casa eu brincava um pouco com as cores. Era irritante. Compor poemas também não dava. Como 'naquela noite de verão', eu fechava a mão sobre um enxame de mosquitos, sem conseguir apanhar nenhum. E no entanto o murmúrio de milhares de vozes."

Diários de Paul Klee

28 julho, 2011

a ler Klee

"25. Pelo buraco da cerca no jardim, roubei um bolbo de dália e transplantei-o no meu jardim de um metro quadrado. Tinha esperança de ver nascer lindas folhas e talvez uma flor amiga. Mas cresceu todo um arbusto, coberto de flores vermelho-escuras. Isso despertou-me um certo medo e cheguei a pensar em renunciar à minha posse, dando-a de presente (oito anos)."

"27. No restaurante do meu tio, o homem mais gordo da Suíça, havia mesas com tampo de mármore polido, onde se via um emaranhado de linhas petrificadas. Nelas podíamos descobrir figuras humanas grotescas e aprisioná-las com o lápis. Eu adorava fazer isso; primeiros documentos da minha 'inclinação pelo bizarro' (nove anos)."

Diários de Paul Klee (lembranças de infância)