O MOMENTO
O momento em que, depois de muitos anos
de trabalho árduo e uma longa viagem
estás de pé no meio do teu quarto,
casa, meio hectare, quilómetro quadrado, ilha, país,
sabendo por fim como lá chegaste,
e dizes, possuo isto,
de trabalho árduo e uma longa viagem
estás de pé no meio do teu quarto,
casa, meio hectare, quilómetro quadrado, ilha, país,
sabendo por fim como lá chegaste,
e dizes, possuo isto,
é o mesmo momento em que as árvores soltam
de ti os braços macios,
os pássaros tomam de volta a sua linguagem,
as falésias racham e colapsam,
o ar reflui de ti como uma vaga
e não consegues respirar.
Não, murmuram. Não possuis nada.
És um visitante, repetidamente,
escalando a colina, plantando a bandeira, proclamando.
Nunca te pertencemos.
Nunca nos encontraste.
Foi sempre ao contrário.
de ti os braços macios,
os pássaros tomam de volta a sua linguagem,
as falésias racham e colapsam,
o ar reflui de ti como uma vaga
e não consegues respirar.
Não, murmuram. Não possuis nada.
És um visitante, repetidamente,
escalando a colina, plantando a bandeira, proclamando.
Nunca te pertencemos.
Nunca nos encontraste.
Foi sempre ao contrário.
........
UMA VISITA
Longe vão os dias
em que conseguias andar sobre a água.
Em que conseguias andar.
Longe vão os dias
em que conseguias andar sobre a água.
Em que conseguias andar.
Longe vão os dias.
Só resta um dia,
aquele em que estás.
Só resta um dia,
aquele em que estás.
A memória não é amiga.
Só te consegue dizer
o que já não tens:
Só te consegue dizer
o que já não tens:
uma mão esquerda que consegues usar,
dois pés que caminham.
Todos os artefactos do cérebro.
dois pés que caminham.
Todos os artefactos do cérebro.
Olá, olá.
A mão que ainda funciona
agarra-se, não deixa ir.
A mão que ainda funciona
agarra-se, não deixa ir.
Aquilo não é um comboio.
Não há grilo nenhum.
Não entremos em pânico.
Não há grilo nenhum.
Não entremos em pânico.
Falemos de machados,
quais são os bons,
os muitos nomes de madeira.
quais são os bons,
os muitos nomes de madeira.
É assim que se constrói
uma casa, um barco, uma tenda.
Não serve de nada; a caixa de ferramentas
uma casa, um barco, uma tenda.
Não serve de nada; a caixa de ferramentas
recusa-se a revelar os seus verbos;
a grosa, a plaina, a lima, a sovela,
revertem para metais soturnos.
a grosa, a plaina, a lima, a sovela,
revertem para metais soturnos.
Reconheces alguma coisa? Disse eu.
Alguma coisa familiar?
Sim, disseste. A cama.
Alguma coisa familiar?
Sim, disseste. A cama.
Vale mais olhar o riacho
que corre pelo chão
e é feito de luz do sol,
que corre pelo chão
e é feito de luz do sol,
a floresta feita de sombras;
vale mais olhar a lareira
que agora é uma praia.
vale mais olhar a lareira
que agora é uma praia.
Margaret Atwood (Canadá, 1939 - )
(trad. Cristina Tavares/José Pinto de Sá)
Nenhum comentário:
Postar um comentário