01 maio, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 12 Octavio Paz

MADRUGADA
Rápidas mãos frias
retiram uma a uma
as vendas da sombra
Abro os olhos
ainda
estou vivo
no centro
de uma ferida ainda fresca.
........
Sob a tua clara sombra
vivo como a chama ao ar,
em tensa aprendizagem de estrela.
.........
DIZER, FAZER
Entre o que vejo e digo,
Entre o que digo e calo,
Entre o que calo e sonho,
Entre o que sonho e esqueço
A poesia.
Desliza entre o sim e o não:
diz
o que calo,
cala
o que digo,
sonha
o que esqueço.
Não é um dizer:
é um fazer.
É um fazer
que é um dizer.
A poesia diz-se e ouve-se:
é real.
E mal digo
é real,
dissipa-se.
Assim é mais real?
Ideia palpável,
palavra
impalpável:
a poesia
vai e vem
entre o que é
e o que não é.
Tece reflexos
e destece-os.
A poesia
parece olhos nas páginas
parece palavras nos olhos.
Os olhos falam
as palavras vêem,
Os olhares pensam.
Ouvir
os pensamentos,
ver
o que dizemos
tocar
o corpo
da ideia.
Os olhos
fecham-se.
As palavras abrem-se.

Octavio Paz (México, 1914-1998)
(trad. Cristina Tavares/José Pinto de Sá)

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