01 maio, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 20 Robert Desnos




AO AMANHECER
A manhã desaba como uma pilha de pratos
Em milhares de cacos de porcelana e de horas
E de seixos
E de cascatas
Até sobre o balcão desta tasca muito pobre
Onde as estrelas persistem na noite do café.
Ela não é pobre
Aquela, no seu vestido de noite sujo de lama,
Mas rica das realidades da manhã,
Da embriaguez do seu sangue
E do perfume do seu hálito que nenhuma insónia pode alterar.
Rica de si mesma e de todas as manhãs
Passadas, presentes e futuras,
Rica de si mesma e do sono que a vence
Do sono rígido como um acaju
Do sono e da manhã e de si mesma
E de toda a sua vida que não se conta
Senão por manhãs, auroras deslumbrantes
Cascatas, sonos,
Noites vivas.
Ela é rica
Mesmo se estende a mão
E tem de dormir na fresca manhã
No seu vestido sujo
Num leito de deserto
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CANTO DO CÉU
A flor dos
Alpes dizia à concha: «tu brilhas»
A concha dizia ao mar: «tu ressoas»
O mar dizia ao barco: «tu tremes»
O barco dizia ao fogo: «tu cintilas»
O fogo dizia-me: «cintilo menos que os seus olhos»
O barco dizia-me: «tremo menos que o teu coração quando ela aparece
O mar dizia-me: «ressoo menos que o seu nome no teu amor»
A concha dizia-me: «brilho menos que o fósforo do desejo no teu sonho fundo»
A flor dos
Alpes dizia-me: «ela é bela»
Eu dizia: «ela é bela, ela é bela, ela é comovente».
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Robert Desnos (França, 1900-1945)
(trad.Cristina Tavares/José Pinto de Sá)
A imagem pode conter: 1 pessoa, sentado, mesa e interiores

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