Marc Chagall, Relógio, 1918 |
31 março, 2014
28 março, 2014
24 março, 2014
22 março, 2014
#5
» Quando os verões completos voltarem —
todos
Cheios de Júpiteres e navestransmarítimas, iludindo
Os de olhos postos nos maestros d’ébano altíssimos —,
Já não precisarei de cá estar. Até lá vou remoendo as
Tintas e os objectos de escrever que d’adulto
coleciono na escrivaninha oca do crânio. Vou!, mesmo que
Nem um texto, entre tanto, se revele pela inspiração que
Suplico aos génios do subvulcão que tenho na residência
Experimental dos pulmões. E do queixo. Receba eu sinal
do peixes e vou-me deste campo. «
Cheios de Júpiteres e navestransmarítimas, iludindo
Os de olhos postos nos maestros d’ébano altíssimos —,
Já não precisarei de cá estar. Até lá vou remoendo as
Tintas e os objectos de escrever que d’adulto
coleciono na escrivaninha oca do crânio. Vou!, mesmo que
Nem um texto, entre tanto, se revele pela inspiração que
Suplico aos génios do subvulcão que tenho na residência
Experimental dos pulmões. E do queixo. Receba eu sinal
do peixes e vou-me deste campo. «
#7
» Vesti-me de lavado com panos d’algodão
quente
Depois do banho. Meias flexíveis, cuecas que encaixam,
Meia dúzia de pequenos luxos: camisola-interior,
Cheiro a desinfecto debaixo-dos-braços, pasta nos
Dentes durante a esfrega… Os sapatos até ficam
Sofríveis com as palmilhas almofadadas a cem escudos,
Propositadamente compradas ontem, para a manhã d’hoje.
Depois do banho. Meias flexíveis, cuecas que encaixam,
Meia dúzia de pequenos luxos: camisola-interior,
Cheiro a desinfecto debaixo-dos-braços, pasta nos
Dentes durante a esfrega… Os sapatos até ficam
Sofríveis com as palmilhas almofadadas a cem escudos,
Propositadamente compradas ontem, para a manhã d’hoje.
Um lugar na mesa do centro, pão-de-bico
com café,
Queque caseiro, tabaco americano {aqueles cigarros
Compridos muito em uso por damas-poeta}, e, a,
Boquilha de filtros de cristais para aliviar a convulsa
Dos pulmões. “Os fumadores morrem prematuramente” — [aviso Governamental do Plano Nacional de Poupança contra excessos de Cuidado em casos de cancro pulmonar ou de a laringe] —,
E a manhã corre nobilíssima, espantada de fenómenos.«
Queque caseiro, tabaco americano {aqueles cigarros
Compridos muito em uso por damas-poeta}, e, a,
Boquilha de filtros de cristais para aliviar a convulsa
Dos pulmões. “Os fumadores morrem prematuramente” — [aviso Governamental do Plano Nacional de Poupança contra excessos de Cuidado em casos de cancro pulmonar ou de a laringe] —,
E a manhã corre nobilíssima, espantada de fenómenos.«
Frederico ‘W George , Psicographário Poético
Robert Rauschenberg, Bed, 1955 |
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R
21 março, 2014
14 março, 2014
Agora juntas ao teu peso
tudo o que é leve, (para F.)
agora desmascaras
o sempre nomeado
mas sem nome,
agora mandas os martelos-
mecânicos, os fura-sílabas
para debaixo do esporão
daquele
que te leva a saltar para o outro lado
da ardilosa madeira da sebe,
agora
escreves.
Paul Celan, A Morte É Uma Flor
tudo o que é leve, (para F.)
agora desmascaras
o sempre nomeado
mas sem nome,
agora mandas os martelos-
mecânicos, os fura-sílabas
para debaixo do esporão
daquele
que te leva a saltar para o outro lado
da ardilosa madeira da sebe,
agora
escreves.
Paul Celan, A Morte É Uma Flor
13 março, 2014
12 março, 2014
11 março, 2014
Prognóstico
Sou do tempo em que não se corrigiam
dentes defeituosos.
Além disso, perdi praticamente
todos os molares.
Para piorar as coisas,
a TAC acusa um desvio para a esquerda
do septo nasal.
Ainda por cima, um desvio acentuado.
Bonita caveira hei-de dar,
não haja dúvida.
A.M. Pires Cabral, As Têmporas da Cinza
dentes defeituosos.
Além disso, perdi praticamente
todos os molares.
Para piorar as coisas,
a TAC acusa um desvio para a esquerda
do septo nasal.
Ainda por cima, um desvio acentuado.
Bonita caveira hei-de dar,
não haja dúvida.
A.M. Pires Cabral, As Têmporas da Cinza
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10 março, 2014
Robert Rauschenberg, 1963 |
ENCONTRO
Ele
não apareceu.
Talvez
tenha adoecido ou ficado debaixo de
um
eléctrico. Talvez outra pessoa se pusesse na conversa com ele.
Talvez
se tenha esquecido do relógio,
ou
o relógio se tenha esquecido de lhe dar o tempo certo.
Talvez
o carro não pegasse,
ou
tenha ficado avariado a meio do caminho.
Talvez
alguém lhe telefonasse quando ia a sair de casa,
dizendo-lhe
que tinha de ir a um funeral
ou
que a mãe dele tinha morrido.
Talvez
tenha encontrado um antigo conhecido.
Talvez
tenha tido uma discussão no emprego,
tenha
sido despedido e esteja a esconder
a
cabeça debaixo de uma almofada.
Talvez
a ponte estivesse fechada e
a
seguinte também.
Talvez
o semáforo permanecesse vermelho.
Talvez
o multibanco tenha engolido o cartão
ou
a meio do caminho tenha reparado que se esquecera
do
porta-moedas.
Talvez
tenha perdido os óculos,
não
conseguisse deixar de ler,
houvesse
um programa que ele queria acabar de ver,
não
conseguisse dar a volta à fechadura da porta,
não
encontrasse as chaves em sítio nenhum e
o
cão dele de repente começasse a vomitar.
Talvez
não houvesse um telefone por perto,
não
encontrasse o restaurante
ou
esteja à espera noutro sítio, por engano.
Talvez
– a última possibilidade,
incompreensível
e inesperada –
ele
tenha deixado de me amar.
Hagar Peeters, " Por Hoje, Chega de Poesia Sobre o Amor" (em Poesia Ilimitada )
07 março, 2014
Um ramo com trinta anémonas azuis.
Uma com o caule quebrado em vários sítios,
cada quebra dá-lhe um movimento diferente.
Assim é ela a única flor que olha lá para fora.
Não penses logo: é o poeta. Ele ainda não sabe
não sabe com qual das trinta se identifica mais.
Ainda não sabe sequer que mais logo
receberá anémonas azuis.
Judith Herzberg, O Que Resta Do Dia
Uma com o caule quebrado em vários sítios,
cada quebra dá-lhe um movimento diferente.
Assim é ela a única flor que olha lá para fora.
Não penses logo: é o poeta. Ele ainda não sabe
não sabe com qual das trinta se identifica mais.
Ainda não sabe sequer que mais logo
receberá anémonas azuis.
Judith Herzberg, O Que Resta Do Dia
Nunca ninguém tem a certeza de nada,
de ser amado, de ser abandonado
tudo é possível e tudo é permitido
tudo sucede em alternância.
Agora me lembro o que queria dizer:
enquanto isso não trouxer infelicidade
é uma sensação agradável. Mas no fundo
somos doces como Turkish Delight
numa lata cheia de pregos.
Judith Herzberg, O Que Resta Do Dia
de ser amado, de ser abandonado
tudo é possível e tudo é permitido
tudo sucede em alternância.
Agora me lembro o que queria dizer:
enquanto isso não trouxer infelicidade
é uma sensação agradável. Mas no fundo
somos doces como Turkish Delight
numa lata cheia de pregos.
Judith Herzberg, O Que Resta Do Dia
Judith Herzberg, por Chris van Houts |
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06 março, 2014
Contar os grãos de areia destas dunas é o meu ofício actual. Nunca julguei que fossem tão parecidos, na pequenez imponderável, na cintilação de sal e oiro que me desgasta os olhos. O inventor dos jogos meu amigo veio encontrar-me quase cego. Entre a névoa radiosa da praia mal o conheci. Falou com a exactidão de sempre:
«O que lhe falta é um microscópio. Arranje-o depressa, transforme os grãos imperceptíveis em grandes massas orográficas, em astros, e instale-se num deles. Analise os vales, as montanhas, aproveite a energia desse fulgor de vidro esmigalhado para enviar à Terra dados científicos seguros. Escolha depois uma sombra confortável e espere que os astronautas o acordem».
«O que lhe falta é um microscópio. Arranje-o depressa, transforme os grãos imperceptíveis em grandes massas orográficas, em astros, e instale-se num deles. Analise os vales, as montanhas, aproveite a energia desse fulgor de vidro esmigalhado para enviar à Terra dados científicos seguros. Escolha depois uma sombra confortável e espere que os astronautas o acordem».
Carlos de Oliveira, Trabalho Poético
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05 março, 2014
André Breton por Man Ray, 1935 |
Uma palavra e tudo está salvo
Uma palavra e tudo está perdido.
Uma palavra e tudo está perdido.
André Breton, " O Revólver de Cabelos Brancos"
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04 março, 2014
(...)
O sentido do raio de sol
O clarão azul que liga as machadadas do lenhador
O fio do papagaio de papel em forma de coração ou de laço
O batimento ritmado da cauda dos castores
A diligência do relâmpago
O arremesso de confeitos do alto das velhas escadas
A avalanche
A câmara dos sortilégios
Não cavalheiros não é a oitava Câmara
Nem os vapores da camarata ao domingo à noite
Os passos de dança transparentes por cima dos mares
A demarcação na parede dum corpo de mulher ao lançar de punhais
As claras volutas do fumo
Os anéis do teu cabelo
A curva da esponja das Filipinas
Os nós da serpente vermelha
A entrada da hera nas ruínas
Tem todo o tempo à sua frente
O abraço poético como o abraço carnal
Enquanto dura
Impede toda a fugida sobre a miséria do mundo
André Breton, "Poemas"
O sentido do raio de sol
O clarão azul que liga as machadadas do lenhador
O fio do papagaio de papel em forma de coração ou de laço
O batimento ritmado da cauda dos castores
A diligência do relâmpago
O arremesso de confeitos do alto das velhas escadas
A avalanche
A câmara dos sortilégios
Não cavalheiros não é a oitava Câmara
Nem os vapores da camarata ao domingo à noite
Os passos de dança transparentes por cima dos mares
A demarcação na parede dum corpo de mulher ao lançar de punhais
As claras volutas do fumo
Os anéis do teu cabelo
A curva da esponja das Filipinas
Os nós da serpente vermelha
A entrada da hera nas ruínas
Tem todo o tempo à sua frente
O abraço poético como o abraço carnal
Enquanto dura
Impede toda a fugida sobre a miséria do mundo
André Breton, "Poemas"
03 março, 2014
Nush e Paul Eluard |
Ela está de pé nas minhas pálpebras
com os dedos nos meus entrelaçados.
Ela cabe toda em minhas mãos,
ela tem a cor dos meus olhos
e desaparece na minha sombra
como uma pedra sobre o céu.
Tem sempre os olhos abertos
e não me deixa dormir.
Os sonhos dela à luz do dia
fazem os sóis evaporar-se,
fazem-me rir, chorar e rir,
falar sem ter nada a dizer.
Paul Eluard, "Algumas das Palavras"
(...)
Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te não ter,
A candura de te esperar, a inocência de te conhecer,
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e a ignorância,
Que suprimes a ausência e que me pões a cantar
O mistério em que o amor me cria e me liberta.
Tu és pura, tu és ainda mais pura do que eu próprio.
Paul Eluard, "Algumas das Palavras"
Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te não ter,
A candura de te esperar, a inocência de te conhecer,
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e a ignorância,
Que suprimes a ausência e que me pões a cantar
O mistério em que o amor me cria e me liberta.
Tu és pura, tu és ainda mais pura do que eu próprio.
Paul Eluard, "Algumas das Palavras"
Nush e Paul Eluard |
01 março, 2014
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