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14 fevereiro, 2018

Al Berto

Sandro Botticelli, Portrait of Young Woman (detalhe),1480










e finjo a morte ou cintilo
como o diamante


Al Berto



16 janeiro, 2015

Ana Tecedeiro e Al Berto

Ana Tecedeiro, Sei como te sentes, Bordado sobre gravura encontrada, 2013



















      


        Cada vez escrevo / produzo menos, mas o pouco que produzo requer tempo. Requer toda a minha disponibilidade, toda a minha paixão. Não posso continuar com coisas exteriores à minha escrita a perturbarem-me. Tenho de avançar rapidamente com o projecto que me obceca há muito. O tempo faz-se escasso.

      Faz um frio de partir os ossos. Os dias cheios dum sol espantoso, uma limpidez que se vê a costa até ao Cabo Sardão. Às vezes desejaria ter sido pastor, homem transumante. Ir e regressar, com o sol e com as chuvas, ir e regressar sempre com o ciclo das estações…
      Fiz 36 anos, hoje, acabaram-se para sempre algumas coisas, outras iniciam-se agora, só a juventude não se recomeça nem tem início hoje… Tenho de começar a habituar-me à grande desolação dos dias, sempre mais vazios, sem ninguém, porque assim o quis.
     A partir de hoje tenho o tempo todo para escrever, para não fazer nada, envelhecerei calmamente. Tenho a certeza. Não há tempo, ainda bem!


Al Berto, Diários, Assírio e Alvim

30 dezembro, 2013

Al Berto

E ao anoitecer
adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume 
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia 

Al Berto




























ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte 

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
Cada vez escrevo / produzo menos, mas o pouco que produzo requer tempo. Requer toda a minha disponibilidade, toda a minha paixão. Não posso continuar com coisas exteriores à minha escrita a perturbarem-me. Tenho de avançar rapidamente com o projecto que me obceca há muito. O tempo faz-se escasso.
Faz um frio de partir os ossos. Os dias cheios dum sol espantoso, uma limpidez que se vê a costa até ao Cabo Sardão. Às vezes desejaria ter sido pastor, homem transumante. Ir e regressar, com o sol e com as chuvas, ir e regressar sempre com o ciclo das estações…
Fiz 36 anos, hoje, acabaram-se para sempre algumas coisas, outras iniciam-se agora, só a juventude não se recomeça nem tem início hoje… Tenho de começar a habituar-me à grande desolação dos dias, sempre mais vazios, sem ninguém, porque assim o quis.
A partir de hoje tenho o tempo todo para escrever, para não fazer nada, envelhecerei calmamente. Tenho a certeza. Não há tempo, ainda bem!


Al Berto, "Diários"

(para a escrita de f)