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15 março, 2019

Herberto e retratos do ar

O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com 
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.

Herberto Helder, Poemas Completos


Felicitas Vogler, Ben Nicholson trabalhando no seu estúdio, casa Alla Roca, 1965

Herberto e Anna

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.

Herberto Helder, Poemas Completos

Kuzma Petrov- Vodkin, Anna Akmatova, 1922

23 novembro, 2018

Aniversário de Herberto


 Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
 Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.


 Herberto Helder, O Poema Contínuo



Cristina Tavares, anversário de herberto, 23 novembro 2018






14 novembro, 2018

Herberto Helder

Nome do mundo, diadema.

Herberto Helder, Flash, 1980

Cristina Tavares, Molde de gesso para as mãos de O Desterrado, de Soares dos Reis, 2018



14 abril, 2018

F e H

Frederico Mira George, Digital Painting, 2011









































Eu pergunto se o poeta cria as coisas, pergunto se as reconhece, ou então se as ordena.


Herberto Helder, Photomaton & Vox

11 abril, 2018

Susana Marques

Foto de Susana Marques.
Susana Marques

























Esta força inóspita que me corrói de dentro e extravasa pelo mundo como uma calcinação.


Herberto Helder, Photomaton & Vox

26 julho, 2017

O relâmpago Herberto


Nunca se sabe aquilo que basta. Talvez baste um poema, uma coisa mínima, viva, nossa, uma coisa rub-reptícia para empunhar diante do implacável acordo das formas exteriores. Também pode ser que nada baste. E nesse caso tanto faz escrever um romance ou cem poemas ou apenas um poema, ou ler, ou emendar o céu astronómico, ou manter-se parado no meio de um jardim húmido e silencioso, à noite. Até pode suceder que a morte não seja bastante. E isto, sim, é interrogativo.

Herberto Helder,  em Relâmpago, Revista de Poesia 36/37, Abril/Outubro de 2015 (pág.133)







CT, Sleeping Golden Head, 2014

25 abril, 2017

                                                     

             















CT, abril 2017



Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.


Herberto Helder, A Colher na Boca

16 setembro, 2016

Blue J



José Sá, Maputo, set 2016







































Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram.

Herberto Helder,  Poesia Toda


30 agosto, 2016

o bebedor nocturno

CT, exercícios com a noite, abril 2016

























Fragmento do Cairo

Quando eu a cinjo e ela me abre os braços,
sou como um homem que regressa da Arábia,
impregnado de perfumes.

Herberto Helder, O Bebedor Nocturno - poemas mudados para português

23 agosto, 2016

tudo se ilumina

Francesco del Cossa, Santa Lucia (detalhe), 1472-73










A realidade é um repto. A poesia é um rapto. De uma para a outra queimam-se os dedos, e como é de fogo que aqui se trata, tudo se ilumina.


Herberto Helder, Photomaton & Vox



20 agosto, 2016

Emmet e Herberto

Emmet Gowin, Off Road Traffic Patern
along the Northwest Shore of the Great Salt Lake, Utah
, 1988



















O dia abre a cauda de água, o copo
vibra com tanta força,
as unhas fulguram sobre a toalha.
Cada palavra pensa cada coisa.
Entre imagens de ouro e vento, a constelação arterial dos objectos
do mundo alarga os braços furiosamente
de abismo a abismo.
A mão convulsa manobra a vida máxima.
E então sou devorado pelos nomes
selvagens.


Herberto Helder, Última Ciência

19 junho, 2016

H + M


Ninguém acrescentará ou diminuirá a minha força ou a minha fraqueza. Um autor está entregue a sim mesmo, corre os seus (e apenas os seus) riscos. O fim da aventura criadora é sempre a derrota irrevogável, secreta.
Mas é forçoso criar. Para morrer nisso e disso. Os outros podem acompanhar com atenção a nossa morte. Obrigado por acompanharem a minha morte.


Herberto Helder, Photomaton & Vox

Marlene Dumas, 1990

13 junho, 2016

Antónia

CT, A, junho 2016














É então que um grande silêncio cai sobre os trinta quilómetros quadrados da ilha. Ou vem das coisas, do interior das coisas. É um silêncio extremamente doce, um equilíbrio supremo. A ilha adquire uma grave e grandiosa imobilidade. E a luz entra e sai pelas coisas, como se elas fossem esponjas. As mãos ficam muito nuas. É dos olhos que primeiro desaparece o sono. E da boca. De cada parte do corpo, lentamente, de todas as partes, até que as pessoas se abram totalmente. Como numa ressurreição.


Herberto Helder, Photomaton & Vox


20 abril, 2016

coração




CT, divertissement, abril 2016 















Sempre. Dormiram, acordaram, esgotaram-se. Vivem na escuridão, no vácuo. Têm mãos. Respiram sombriamente sobre as mãos.
Depois param.
Então criam a festa. As forças irrompem do fundo; fazem vacilar o fino e o precário equilíbrio da terra. Para lá da lei abolida, as coisas tornam-se vísiveis, com uma intensidade, uma transparência anterior: sinais, vozes, tudo. Como se o mundo inteiro curasse uma ressaca no corpo de cada um, e essa límpida desordem deixasse o coração escorrido.
É a festa dos homens.


Herberto Helder, Os Passos em Volta

19 abril, 2016

no meio está uma fogueira

Alfredo Cunha, Salgueiro Maia, 25 de Abril de 1974






















Esta linguagem é pura. No meio está uma fogueira
e a eternidade das mãos.
Esta linguagem é colocada e extrema e cobre, com suas
lâmpadas, todas as coisas.
As coisas que são uma só no plural dos nomes.
- E nós estamos dentro, subtis e tensos
na música.

Herberto Helder, Poesia Toda

13 abril, 2016

sobre a cabeça de Pedro Burmester

CT, music to my ears (sobre a cabeça de Pedro Burmester),2016


























a queimada que fez na silvas em volta da casa
descontrolou-se ao vento levantado de repente,
e naquele tempo em que já lhe não tocava qualquer beleza
ele ficou a olhar a beleza assassina:
as labaredas abraçaram-no todo,
tornando-se então ele mesmo a sua morte abraçada:
e mais ninguém sabia que a beleza se consuma
num abraço a vento e ar alto
com fogo dentro


Herberto Helder, 
RELÂMPAGO nº 36/37




24 março, 2016

Herberto, ainda (e Saul)


Mas nunca o amor tem a pronúncia que se espera

Herberto Helder , Letra Aberta (poemas inéditos escolhidos por Olga Lima)2016



Saul Leiter, Untitled (subway car 4435), c.1950

23 março, 2016

Herberto Helder (1930 - 23 março 2015)

Assim se reserva nos apartamentos agachados,
entre roupas deitadas, o tesouro de um rosto
              soberano.
E a claridade evapora-se do cérebro, ao alto
              do candelabro:
o olhar activo de uma flor sonhada.


Herberto Helder , Poesia Toda


Felix Gonzalez-Torres, Untitled, march 5th #11991



15 março, 2016

Herberto e o silêncio


Pode escrever-se acerca do silêncio, porque é um modo de alcançá-lo, embora impertinente. 


Herberto Helder, Photomaton & Vox





olho direito de estátua grega, 500-100 a.c.