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02 junho, 2017

Tolentino e Kelly

Ellsworth Kelly, Limão (detalhe), 1965-66















o amor é uma noite a que se chega só.


José Tolentino Mendonça, A Estrada Branca



12 dezembro, 2016

Tolentino

Se agitares tesouras numa fogueira
não esqueças que me feres
um avesso de lume é o meu único
segredo
no impreciso avanço das lâminas
um anjo o descobriria
Tira a faca da gaveta
mas não esqueças
se a cravares na água
com altas vagas o mar me sepultará
dentro da casa abandonada
Não lamentes serem os versos
saberes tão frágeis
as flores mais belas são as que se colhem
quando ainda se ignora a morte"


José Tolentino Mendonça,  A Noite Abre Meus Olhos (Poesia Reunida)

31 outubro, 2015

injustificável alegria

Um dos textos mais comoventes que conheço é a carta de Rosa de Luxemburgo escrita a uma amiga sua quando estava na prisão de Breslavia, poucos meses antes da sua execução. Trata-se de um extraordinário hino à vida. No meio daquele horror, sentindo abater-se sobre ela toda a desolação e desconforto que podemos imaginar (ou que nem podemos imaginar), Rosa de Luxemburgo não deixa de confiar na vida. Mergulhada no escuro ela continua a sorrir. E quando se pergunta porquê, escreve isto: "não tenho razão para esta injustificável alegria, nem sei de outro segredo senão a própria vida. A profunda obscuridade da noite é bela e suave como um veludo para os que aprendem a olhá-la".

José Tolentino Mendonça, CÃO CELESTE Nº 7

Lothar Reichel, c.1970


07 julho, 2014

Oluf Tostrup, Diadema, 1875

















Queres saber o que rezo nas orações?
troncos secos, gravetos
cercas e barro vermelho.


José Tolentino Mendonça, A Papoila e o Monge

20 janeiro, 2007


Alexander Rodchenko,capa de revista LEF, 1924

Já vi matar um homem
é terrível a desolação que um corpo deixa
sobre a terra
uma coisa a menos para adorar
quando tudo se apaga
as paisagens descobrem-se perdidas
irreconciliáveis

entendes por isso o meu pânico
nessas noites em que volto sem razão nenhuma
a correr pelo pontão de madeira
onde um homem foi morto

arranco como os atletas ao som de um disparo seco
mas sou apenas alguém que de noite
grita pela casa

há quem diga
a vida é um pau de fósforo
escasso demais
para o milagre do fogo

hoje estive tão triste
que ardi centenas de fósforos
pela tarde fora
enquanto pensava no homem que vi matar
e de quem não soube nunca nada
nem o nome

José Tolentino Mendonça, “Baldios”

16 janeiro, 2007

(...)
preferiu sempre a seta que desaparece
ao nome breve que se guarda

José Tolentino Mendonça, “A que Distância Deixaste o Coração”

14 janeiro, 2007

ar líquido 3

Julius Bissier, 1959

Ele é o meu anjo
ele vem do escuro
a embarcação em chamas
desce o canal

Se a mulher adormecida nas margens
alongasse os braços
os remos da embarcação bateriam
nos astros
(...)

José Tolentino Mendonça, “Longe Não Sabia”