31 dezembro, 2014

Sleepless





CT, 2014, Sleepless  (da série Sleeping Head)



30 dezembro, 2014

Edouard Boubat

Edouard Boubat, Rémi Listening to the Sea,1955

Paul Celan

(...)

di-lo, como se eu fosse este 
teu branco,
como se tu fosses
o meu,

(...)

Paul Celan, Sete Rosas Mais Tarde

28 dezembro, 2014





Ingeborg Bachmann e Paul Celan, 1952
























Uma Espécie de Perda

Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados, gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio.Dissemos.Fizemos.E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

(o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um apontamento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo.

Ingeborg Bachmann, O Tempo Aprazado
Sob um céu estranho
sombras rosas
sombras
numa terra estranha
entre rosas e sombras
numa água estranha
a minha sombra

Ingeborg Bachmann, O Tempo Aprazado

27 dezembro, 2014


Minor White, 1958



Minor White, The Sound of One Hand Clapping, 1957


Minor White, Gloucester, 1973
Minor White, Vicinity of Rochester, 1954

Conversa à Mesa

Morremos de vez, é certo.
Por isso, a vida é uma coisa,
De que acontece, ou não, gostar.

Mas sendo assim, porque me acontece
Gostar do mato vermelho,
Da erva cinzenta e do céu verde-cinza?

E que mais? Mas, vermelho,
Cinzento, verde, porquê, especialmente?
Não foi isso que eu disse:

Não esses, especialmente. Apenas, esses.
Gostamos do que acontece gostarmos.
Gostamos da maneira como o vermelho cresce.

Não tem nenhuma importância.
Acontecer gostar é uma das maneiras
Que as coisas têm de acontecer.

Wallace Stevens, Antologia  

26 dezembro, 2014

Paul Strand, Rebecca,1922

Separando a erva dos prados, aspirando o seu raro aroma,
Dela reclamo a espiritualidade,
Exijo o mais íntimo e abundante companheirismo entre os homens,
Peço que ergam as suas folhas as palavras, actos, seres,
Esses de límpidos ares, rudes, solares, frescos, férteis,
Esses que traçam o seu próprio caminho, erectos  e livres avançando, conduzindo e não                                                                                                                              conduzidos,
Esses de indomável audácia, de doce e veemente carne sem mácula,
Esses que olham de frente, imperturbáveis, o rosto dos presidentes e governadores como                                                                                                    se dissessem Quem és tu ?
Esses de natural paixão, simples, nunca constrangidos, insubmissos,
Esses de dentro da América.

Walt Whitman, Cálamo

25 dezembro, 2014

Satã

7.

Há quem chame «poeta» àquele que «faz» poemas.

Mas os poemas não se fazem, nem poeta tem directa
relação com poema. Poema, justamente, é
aquilo que não se faz, que está além do fazer. Ser Poeta
é ter um busto – até pode ser o da república – empedernido nas
células, no peito, nas falanges dianteiras do corpo... O poema 
existe. Está lá, num «lá» encoberto a que apenas chegam os que
, removidos da alma, esperam infinitamente.


8.
Para o António Cândido Franco


Quando consigo ler aquilo que Pascoaes escreveu
, experimento um calafrio nuclear na boca e uma vontade
periódica de gritar. Nunca me transporto para Amarante,
nem me sinto encarnar árvore em S. João de Gatão...
... às vezes nem me recordo do focinho avatar
com que sempre planeou as fotografias
em que se deixou fixar.
Aquilo que Pascoaes escreveu ainda não foi escrito.
É um lento e pesaroso meio-dia dos vocábulos, uma via-sacra
que ele abriu com o desenho em branco da sua caligrafia loira
, redonda, povoada de anjos e cristos aguarelados.



15.

Ainda não era noite, quando, na forja
do café, ardi um dedo no que de mais digital
o confecciona. Adivinhei, como não sabia que se podia adivinhar,
o torrão externo do tacto. E sobrou ter a minha pele agarrada
àquela grelha invisivelmente ardente, para
, pela primeira vez, Ver a impressão do que me toca
invés da habitual intuição de tocar. Tocar
pele e ter tocada a pele, são duas substâncias tão distintas
e removidas da realidade nuclear dos sentidos,
que se torna insuportável pensar que não
se sabe, nem por estimação, daquilo que experimenta o que nos toca, a menos que, por um segundo, o fogo-real-que-queima
, nos acenda... um dedo
, que seja



19.

A luz de um cair-da-tarde no fim de Março
traz uma representação de desesperança
que nem o sono alivia no cansaço.
Com a insolência distinta dos pombos,
os céus tornam-se sonorosos, verdes-escuro,
apartando os anjos das almas que os refletem.
Pior seria ter de andar pelo campo,
respirar fedores de terra e sementes de trigo,
ver bois ao longe com medo de estarem perto,
ou ser tentado a colher uma réstia de flor como
acto de contrição por todo o mal de ter nascido.
Antes a cidade e a luz eléctrica: iluminação
pública, semáforos.
Antes passeadouros a imitar canais venezianos.



21.

ao adormecer Li uns versos em alemão
e, porque não sei alemão, tudo me constou certo
, amplo, verdadeiramente amplo,
verdadeiramente certo.
Aqueles versos fluíram-me pelas veias
no clamor adorável de cada sentença.
Aventuro agora dizer que encetei bem o dia,
pois que nutri, lendo versos em alemão, é
exactamente a ignorância que desejo aos
que lêem os meus versos portugueses.


Frederico Mira George, Satã, 2011
Sê tão feliz como se eu estivesse contigo. (Não penses que não estou agora junto a ti).
Walt Whitman, Cálamo
Pleno de vida agora, concreto, visível,
Eu, aos quarenta anos de idade e aos oitenta e três dos Estados Unidos,
A ti que viverás dentro de um século ou vários séculos mais,
A ti, que ainda não nasceste, me dirijo, procurando-te.

Quando leres isto, eu que era visível, serei invisível
Agora és tu, concreto, visível, aquele que me lê, aquele que me procura,
Imagino quanto serias feliz se eu estivesse a teu lado e fosse teu companheiro,
Sê tão feliz como se eu estivesse contigo. (Não penses que não estou agora junto a ti).

Walt Whitman, Cálamo

23 dezembro, 2014


John Stezaker, Old Mask III, 2006

John Stezaker, Pair IV, 2007

























22 dezembro, 2014

Ilse Bing, Autoretrato,Paris, 1931



Ilse Bing, Renata and Her Sister, 1934

21 dezembro, 2014

Ilse Bing, Cancan Dancer, Moulin Rouge,1931



20 dezembro, 2014

Claire Morgan, If You Go Down To The Woods, 2014

17 dezembro, 2014

Dinh Q. Lê, Untitled, (Cambodia: Splendour & Darkness Series), 1998

15 dezembro, 2014

Jean Cocteau, Raymond Radiguet endormi, 1922

14 dezembro, 2014

Rebecca Horn, Mechanischer Korperfacher, 1972

12 dezembro, 2014

Dir-se-ia que ela [a música] é uma forma superior do ar.

Rainer Maria Rilke, Apaixonadamente (correspondência com Magda von Hattingberg)

11 dezembro, 2014

A magnólia estende contra a minha escrita a tua sombra
E eu toco na sombra da magnólia como se pegasse na tua mão


Daniel Faria,  Poesia

10 dezembro, 2014

Sleep

CT, Sleep (da série Sleeping Head), 2014 
a minha mão há 10 anos

09 dezembro, 2014

Marcel Proust

      Certos espíritos amantes do mistério pretendem que os objectos conservam qualquer coisa dos olhos que os viram, que os monumentos e os quadros só nos aparecem sob o véu sensível que lhes foi tecido pelo amor e pela contemplação de tantos adoradores, ao longo de muitos séculos. Esta quimera seria verdadeira se a transpusessem para o domínio  da realidade exclusiva de cada um, para o domínio da sua sensibilidade própria. Sim, nesse sentido, e apenas nesse sentido (mas que é muito maior), uma coisa que em tempos observámos, se tornarmos a vê-la, traz-nos, juntamente com o olhar que nela poisámos, todas as imagens que então o enchiam. É que as coisas - um livro como outro qualquer sob a sua capa vermelha -, logo que vistas por nós, tornam-se em nós algo de imaterial, da mesma natureza de todas as nossas preocupações ou das nossas sensações desse tempo, e misturam-se indissoluvelmente com elas. 

Marcel Proust, Em Busca do Tempo Perdido, volume 2

08 dezembro, 2014

Antoni Tàpies, Recordando a Lorca

Com a tua letra

Porque eu amo-te, quer dizer, estou atento
às coisas regulares e irregulares do mundo.
Ou também: eu envio o amor
sob a forma de muitos olhos e ouvidos
a explorar, a conhecer o mundo.
Porque eu amo-te, isto é, eu dou cabo
da escuridão do mundo.
Porque tudo se escreve com a tua letra.



Fernando Assis Pacheco, A Musa Irregular

07 dezembro, 2014

Tejal Shah

Tejal Shah, Encounter(s) Live performance, Turbine Hall, Tate Modern, 2006 

06 dezembro, 2014

Apesar das visitas
Breves do pavor
A beleza é tudo
O que permanece


Matilde Campilho, Jóquei

05 dezembro, 2014

Emmet Gowin, Edith and Moth Fly, 2002

04 dezembro, 2014

Caminho rapidamente por entre estrias de luz e escuridão lançadas 
                                                   debaixo de uma arcada. 
Sou uma mulher na força da vida, com certos poderes
e esses poderes severamente limitados
por autoridades cujas caras raramente vejo.
Sou uma mulher na força da vida
que conduz o seu poeta morto num Rolls-Royce preto
por uma paisagem de crepúsculos e espinhos.
Uma mulher com uma certa missão,
a qual, se cumprida à letra, a deixará intacta.
Uma mulher com nervos de pantera
uma mulher com contactos com os Hells's Angels
uma mulher que sente a plenitude dos seus poderes
no preciso momento em que não os pode usar
uma mulher que jurou lucidez
que vê por entre a desordem, por entre os fogos fumarentos
destas ruas subterrâneas
o seu poeta morto aprendendo a andar para trás contra o vento
do lado errado do espelho

Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem

Adrienne Rich

Atirando com a cafeteira para o lava-louça
ela ouve os anjos a repreender, e olha para lá 
dos quintais amanhados para o céu desleixado.
Só há uma semana Eles disseram, Não tenhas paciência.

A seguir foi, Sê insaciável.
Depois, Salva-te a ti própria, outros não podes salvar.
Por vezes ela deixa que a água da torneira lhe escalde o braço,
que um fósforo lhe arda até à unha,

Ou põe a mão por cima do focinho da chaleira
precisamente no vapor enovelado. Se calhar são anjos,
já que nada mais a magoa agora, excepto
o saibro das manhãs a soprar-lhe os olhos.

Adrienne Rich, Uma Paciência Selvagem


Ernest Bieler, Mountain Landscape, 1896

03 dezembro, 2014

Exposto

É Dezembro em Wicklow:
Os amieiros gotejam, as bétulas
Vão herdando a última luz,
O freixo enregela-nos só de olhar.

Deveria poder ver-se ao sol-pôr
Um cometa que se perdera,
Aqueles milhões de toneladas de luz
Reluzindo como bagas de espinheiro e de roseira,

E por vezes vejo uma estrela cadente.
Se deparasse com um meteorito!
Em vez disso caminho sobre folhas húmidas,
Cascas, os despojos do outono,

Imaginando um herói
Na lama de um complexo penal,
O seu dom como a pedra de uma funda
Lançada pela causa dos desesperados.

Como cheguei a este ponto?
Penso amiúde nos conselhos
Belos e prismáticos dos meus amigos 
E nas mentes de bigorna de alguns que me odeiam

Enquanto me sento pesando e sopesando
Os meus versos de tristeza responsável.
E porquê? Pelo prazer? Pelo povo?
Pelo que se diz nas nossas costas?

A chuva escorre dos amieiros,
As suas vozes pouco sonoras
Sussurram sobre decepções e erosões,
E contudo cada gota relembra

Os absolutos de diamante.
Nem prisioneiro nem informador,
Sou um emigrado interno, de cabelo crescido,
Pensativo; um revoltoso rústico

Fugido ao massacre,
Usando como escudo as cores
De tronco  e casca de árvores, exposto
A cada rajada de vento;

Eu, que ao atiçar estas centelhas
Procurando o seu escasso calor,
Perdi o prodígio que se vê uma vez só,
A cintilação rósea do cometa.

Seamus Heaney; Da Terra à Luz

02 dezembro, 2014

Michael Cooper, René Magritte,1967

Vigésimo segundo
{em memória de Elisabete George Rodrigues}
Revejo os ciprestes do cemitério {à direita de casa}, As
alas do xadrez onde andava à escola, As sardinheiras
à porta da tabacaria {cigarros avulso e esferográficas}.
Desse tempo entre ciprestes e acácias, revejo a avó
revestida em pele de cera e já viúva, a ver-me subir as escadas,
muda, longânime, espelhando a evidência de me saber
inconforme, externo, a qualquer vereda.
Frederico Mira George; O Veneno Solitário
(...)
A agulha magnética indica, trémula,
o Norte, sinto o sabor
galvânico na língua, físico prodígio
por dentro com uma fina camada 
de cloreto de prata por fora.
O temido enegrecimento
de certos sítios
do corpo confirma
tudo o melhor possível.

W. S. Sebald, Do Natural - Um Poema Elementar

01 dezembro, 2014

(...)
Não desistiremos de explorar
E o fim de toda a nossa exploração
Será chegarmos ao lugar de onde partimos
E conhecer o lugar pela primeira vez.
Através do portão desconhecido e lembrado
Quando o último confim da terra por descobrir
For o lugar que foi o começo;
Na nascente do rio mais longo
A voz da oculta queda-de-água
E as crianças na macieira
Desconhecidas, porque nunca procuradas
Mas ouvidas, meio ouvidas, na quietação
Entre duas ondas do mar.
Depressa agora, aqui, agora, sempre -
Uma condição de completa simplicidade
(Que não custa menos do que tudo)
E tudo há-de ficar bem e
Toda a espécie de coisa há-de ficar bem
quando as línguas do fogo refluírem
Para o coroado nó de fogo
E o fogo e a rosa forem um.


T.S.Eliot, Quatro Quartetos

30 novembro, 2014

My true word has no sound.
Chiharu Shiota






Chiharu Shiota, In Silence, 2002-2013

29 novembro, 2014

Ruth Asawa

Imogen Cunningham, Ruth Asawa, 1952

Ruth Asawa, 1954






















Ruth Asawa sketches, 1954

Imogen Cunnigham, Ruth Asawa, Sculptor, and Her Children, 1958

Paul Klee, Colour chart, 1931

28 novembro, 2014

Hassan Sharif, Supended Objects, 2011

27 novembro, 2014

26 novembro, 2014

Richard Serra, Cycle, 2010

25 novembro, 2014

Lucian Freud, Girl with Rose, 1948

O velho tanque
uma rã mergulha,
barulho de água.


Matsuo Bashô

24 novembro, 2014

Anders Krisar, Half Boy, 2014

23 novembro, 2014

(...)
Por isso não temo que se apague a minha respiração,
Pois a morte nada mudará;
Pois algures num vale de alegria me hei-de encontrar,
Terra junto à terra, ou árvore junto à árvore,
Muitos e muitos anos com aquela que agora amo;
E sentirei alegria ao partilhar 
Com ela o sol e a chuva e o ar,
Para com ela gozar a sua tranquila proximidade
Como gozam as mudas coisas dos campos e dos bosques,
A terra, a árvore, a flor estrelada, 
Todas as coisas que têm esse poder.

Robert Louis Stevenson, Poemas
Marc Chagall, Over the Town, 1914-18

22 novembro, 2014

Lucian Freud, Autoretrato, c.1956