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09 abril, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 7 Dambudzo Marechera


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UM FARRAPO DE IDENTIDADE
Quando é que esta lua se descasca dos meus poemas?!
Esta zona de penumbra que vai da escola inglesa
À minha voz de barata?
A formiga empoleirada no grão de areia
Pouco se apercebe do meu titânico dilema de artista
E só tem olhos para o pé que ergo.
A abelha na sua errância doce peganhenta, se me avista
Dispara uma tangente zumbindo o seu escárnio.
A madrugadora andorinha, no seu voo seco,
Mal dispensa um olhar instantâneo às minhas penas.
O varredor dá de ombros, atira o fardo concreto
Para o camião dos salários e dos preços em alta;
O aprendiz da fábrica fecha o macacão
E aguarda o Chamamento – sirene da fábrica;
O carteiro pedala a sua ronda; o soldado
Beija a namorada e corre a cumprir ordens.
Todos parecem conhecer seus eus
Mas eu como um louco insisto em decifrar
As marcas num farrapo de papel em branco
As marcas que vão ser o poema atrás deste poema.

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NOTAS PARA HAMLET
Agora ou nunca está aí outra vez. Será preciso eu
Encarar a outra face da lua?
O momento exige decisão. Toda a minha
História é avessa a isso – Deixem-me estar!
Assim, de novo adio e tremo. Talvez
O impaciente problema desanime face às minhas
Exímias vacilações.

Dambudzo Marechera (Zimbabwé, 1952-1987) tradução de Cristina Tavares e José Pinto de Sá

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