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08 outubro, 2020

Louise Glück - Averno





AVERNO

Averno. Antigo nome, Avernus. Um pequeno lago numa cratera, dez milhas a ocidente de Nápoles, em Itália; considerado pelos romanos como a entrada para o submundo.
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Morres quando o teu espírito morre.
De outro modo, vives.
Podes não fazer grande coisa disso, mas continuas –
algo para que não tens escolha.
Quando digo isto aos meus filhos
não prestam atenção.
Os velhos, pensam eles –
é isto que fazem sempre:
falam de coisas que ninguém consegue ver
para encobrirem as células cerebrais que estão a perder.
Piscam o olho uns aos outros:
ouçam lá o velho, falando do espírito
porque já não consegue lembrar-se da palavra cadeira.
É terrível estar só.
Não quero dizer viver sozinho –
Estar só, onde ninguém nos ouve.
Eu lembro-me da palavra cadeira.
Apetece-me dizer-lhes – só que já não estou interessado.
Acordo a pensar
tens de te preparar
Em breve o espírito desistirá -
nem as cadeiras todas do mundo te ajudarão.

trad. de José Sá e Cristina Tavares

26 março, 2020

Robert Frost

A poem begins with a lump in the throat.

Robert Frost


Cristina Tavares, Galho, Praia das Maçãs,2019

24 março, 2020

Bertolt Brecht

Cristina Tavares, Do campo, 2010





In the dark times
Will there also be singing?
Yes, there will also be singing.
About the dark times.


Bertolt Brecht

11 fevereiro, 2020

Carl Sandburg - Rápido

Viajo de rápido, num dos melhores comboios do país.
Lançadas através da pradaria, na névoa azul, no ar escuro,
correm quinze carruagens com mil viajantes.
Todas estas carruagens serão, um dia, montes de ferrugem,
homens e mulheres que riem
no vagão-restaurante, nas carruagens cama, hão-de acabar em pó.
No salão dos fumadores pergunto a um homem qual o seu destino.
«Omaha», responde.

Carl Sandburg, Antologia Poética (seleção de poemas e tradução de Alexandre O'Neill), Ed. Tempo

09 fevereiro, 2020

Carl Sandburg

(...)
O melhor é o silêncio azul e o cinzento do oeste,
a névoa de outono sobre a margem,
e nada de ódio, nada de amor,
nada que seja profundo, agudo.
Só a paz dum tractor parado no terreiro,
e o trigo novo junto das medas
e as abóboras escondidas nas searas,
fogos trigueiros na escuridão.
Trigueiros luzeiros na nocturna terra.

Aqui sonha um tractor.
Nem amor, nem ódio.
Nada senão sonhos.
Irmãos do crepúsculo e das trevas.

Carl Sandburg, Antologia Poética (seleção de poemas e tradução de Alexandre O'Neill), Ed. Tempo

30 janeiro, 2020

Teresa Amy

POEMA 20

entendi perfeitamente
algum tempo depois, que não sabia
trabalhar o corpo
do texto, nem buscar a espessura
das palavras, nem ser possuído
pelo murmúrio das folhas nem
pela melhor
música inglesa dos anos 70;

entendi que não devia incomodar-me
por não assemelhar-me em nada com Scott Fritzgerald, e
razoavelmente pensei que não devia
incomodar-me por eu (também)
querer ser um farol para
ter, pelo menos, navios
que me mirem
mesmo que nada ilumine:
é um caminho pleno de desastres, des-
astrado,
expliquei


Teresa Amy ( tradução de António Miranda)

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Teresa Amy , Uruguay (1950-2017)

Manuel Resende (1948-2020)


SAI DE CASA

Rasga este poema depois de o leres.
E depois espalha os bocados
Pelo vasto mundo.
Ou então na tua rua, vai à aldeia, à praia,
Atira-o ao mar, deita-o ao lixo,
Para que venha o vento, o sol, a chuva, os homens do lixo,
Acabar com ele de vez.
Passado um dia,
Sai de casa e procura
Encontrá-lo de novo.

Manuel Resende, O Mundo Clamoroso, Ainda

25 janeiro, 2020

Lu Lizhi

Engoli uma lua de ferro,
disseram-me que era um parafuso.
Engoli resíduos industriais e fichas de desemprego,
jovens que morreram debruçados sobre máquinas,
engoli trabalho, engoli pobreza
engoli as pontes dos peões e uma vida enferrujada.
Não consigo engolir mais nada
porque tudo o que engulo me volta à boca
e verte para o chão da pátria:
um poema feito de vergonha.


---

Um parafuso caiu no chão
nas horas extra desta noite escura.
Caiu verticalmente, tinindo ao de leve:
ninguém notou,
tal como da última vez,
numa noite como esta
quando alguém tombou no vazio.


---

Dizem que sou
uma criança de poucas palavras.
Não o nego
mas,
fale ou não,
nesta sociedade,
estou sempre em conflito.


---

Um espaço de dez metros quadrados
apertado, húmido, escuro todo o ano:
é aqui que como, durmo, cago e penso
tusso, tenho enxaquecas, envelheço, fico doente e ainda assim não morro.
Sob esta pálida luz amarela cá estou a fixar o olhar no vazio, a rir-me
como um parvo ando para trás e para a frente, canto baixinho, leio, escrevo poemas.
Sempre que abro uma janela ou uma porta
pareço um morto
a puxar lentamente a tampa do caixão.


Lu Lizhi (trad. Sara F. Costa)

17 janeiro, 2020

Maiakovski


Sou poeta. Este é o fulcro dos meus interesses. É disso que escrevo. Do resto – só se me sobrarem palavras.

Maiakovski, Eu Próprio-Poesia 1912-1926

15 janeiro, 2020

Kurt Marti



não existiu
                        já um
que andava sobre as águas?
mais ninguém
conseguiu fazer o mesmo

mas
                       que tu
uma não-nadadora
nades contra a corrente
não é um milagre menos significativo




Kurt Marti (trad.Luís Parrado)

14 janeiro, 2020

Alejandra Pizarnik

Mis palabras exigen silencio y espacios abandonados.

Alejandra Pizarnik (excerto do poema La Noche - 23/11/1969)

Alejandra Pizarnik

Os que chegam não me encontram.
Os que espero não existem.

Alejandra Pizarnik (excerto do poema Fiesta)

26 dezembro, 2019

Roberto Juarroz

Uma rede de olhares
mantém unido o mundo,
não o deixa cair.
E ainda que não saiba o que se passa com os cegos
hão-de os meus olhos apoiar-se numas costas
que podem ser as de deus.
No entanto
o que eles buscam é outra rede, outro fio,
que agora encobre os olhos com um fato emprestado
e precipita uma chuva já sem solo nem céu.
É isso que buscam os meus olhos, 
o que nos descalça
para ver se algo mais nos sustenta por baixo,
ou inventar um pássaro
para averiguar
se existe o ar,
ou criar o mundo
para saber se há deus,
ou aceitar meter um chapéu
para comprovar que existimos.

Roberto Juarroz, in 
As Causas Perdidas,Antologia de Poesia Hispano-Americana,  António Cabrita

17 dezembro, 2019

Manoel de Barros

Quem acumula muita informação perde o condão de advinhar: divinare.

Manoel de Barros, Livro Sobre Nada



14 dezembro, 2019

André Breton

Numa floresta onde todas as aves são chamas
E também sempre que uma rajada mais violenta faz aparecer na quilha
Uma chaga deslumbrante que atrai as sereias
Não pensava que estivesses no teu posto
E eis que ao romper da aurora num dia de 1937
É extraordinário havia cerca de cem anos que estavas
morto
Ao passar avistei um ramo muito fresco de violetas a teus pés
É raro florirem as estátuas de Paris

André Breton, Ode a Charles Fourier 


Francisco de Zurbarán, Alegoria da Caridade, detalhe, c. 1655

13 dezembro, 2019

Forough Farrokhzad


I will greet the sun again
and the little river that once ran in me
and the clouds that were my ruminations
and the aching blooms of poplar trees,
my companions in those seasons of drought.
I will greet the crowd of crows again,
who brought me their rich perfumes,
gifts from gardens of the night,
and my mother who lived in the mirror
and whose shape was the shape of my own old age.
I will greet the earth again,
who in her lust to create me again,
fills her fiery belly with seeds of green.
I am coming, I am coming, I will come again,
with my long hair dripping the scent of dirt,
with my eyes inflicting the density of darkness,
with brambles I’ve picked from the far side of the wall.
I am coming, I am coming, I will come again,
and the doorway once more will be filled with love
and I’ll greet the lovers standing in the doorway,
and the little girl there
still standing in love.



Forough Farrokhzad

...


Saudarei de novo o sol

e o pequeno riacho que dantes corria em mim
e as nuvens que eram os meus pensamentos
e os doridos rebentos dos álamos,
meus companheiros nessas estações de seca.
Saudarei de novo a multidão de corvos,
que me trouxeram os seus nobres perfumes,
presentes dos jardins da noite,
e a minha mãe que vivia no espelho
e cuja sombra era a sombra da minha própria velhice.
Saudarei de novo a terra,
que na luxúria de me criar de novo,
enche a sua fogosa barriga de verdes sementes.
Estou a chegar, estou a chegar, chegarei de novo,
com o meu longo cabelo pingando o aroma da poeira,
com os meus olhos impondo a densidade das trevas,
com amoras escolhidas do lado oposto da parede.
Estou a chegar, estou a chegar, chegarei de novo,
e a entrada mais uma vez se encherá de amor
e saudarei os amantes, de pé à porta,
e a menina aí
ainda firme no amor.

(trad. muito livre, CT, dezembro 2019)

Forough Farrojzad

Talk to me,
Say something,
I am sheltered in the window,
I have a relationship with the sun.

Forough  Farrojzad ( trad. de farsi para inglês por Maryam Ala Amjadi)


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Forough Farrojzad (1934-67), poetisa, cineasta e escritora iraniana

16 novembro, 2019

Those Winter Sundays


Sundays too my father got up early


And put his clothes on in the blueback cold,

then with cracked hands that ached

from labor in the weekday weather made

banked fires blaze. No one ever thanked him.

I'd wake and hear the cold splintering, breaking.

When the rooms were warm, he'd call,

and slowly I would rise and dress,

fearing the chronic angers of that house,

Speaking indifferently to him,

who had driven out the cold

and polished my good shoes as well.

What did I know, what did I know

of love's austere and lonely offices?



Robert Hayden (1913-1980), Those Winter Sundays

11 setembro, 2019

O sol recebeu o teu coração.

Ruy Cinatti

29 julho, 2019

Konstantinos Kavafis

Nenhuma descrição de foto disponível.
Cristina Tavares, TONDOS, 2018





                                                                              












Claro que é parecido este pequeno
retrato dele, a lápis.
Feito num momento, no convés do barco,
numa tarde encantadora.
O mar da Jónia a rodear-nos.
Parece-se com ele. Não era ele mais belo?
Sensível era a ponto de sofrer -
o que seu rosto iluminava.
Mais belo me aparece, agora que,
fora do Tempo, eu o recordo n'alma.
Fora do Tempo. Tudo isto é muito antigo -
o desenho, e o navio, e o entardecer.

Konstantinos Kavafis [1919]