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15 julho, 2017

Ainda Ritzos

Uma Palavra

Depois de esgotar tudo à sua volta e dentro de si,
e quando estava como que a naufragar,- então lembrava-se de pronunciar
uma única palavra : estátua ( e, naturalmente, pensava
em estátua grega, nua). E logo à sua volta
se abriam nomes-ilhas: um joelho brilhava
frente ao mar, a aljava do pequeno arqueiro
distinguia-se enterrada num montículo de areia fina.
Vestia-se, saía para a Ágora. "Bom dia", dizia.
Talhos, olarias, frutarias. Comprava uvas,
libertando aquele profundo, sereno e inesgotável
gesto dum braço de mármore amputado

Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)


13 julho, 2017

Mas as outras

Há certos versos - às vezes poemas inteiros -
que eu próprio não sei o que querem dizer. O que ignoro
retém-me ainda. E tu, tu tens razão em interrogar. Não interrogues.
Já te disse que não sei.
                                         Duas luzes paralelas
vindo do mesmo centro. O ruído da água
que cai, no inverno, da goteira a transbordar
ou o ruído de uma gota de água caindo
de uma rosa no jardim, regado há pouco,
devagar, devagarinho, uma tarde de primavera,
como o soluço de um pássaro.Não sei que quer dizer este ruído;contudo aceito-o.
As coisas que sei explico-tas,
sem negligência.
Mas as outras também acrescentam a nossa vida.
Eu olhava
o seu joelho dobrado, como ela dormia,
levantando o lençol -
não era apenas amor. Este ângulo
era o cume da ternura, e o cheiro
do lençol, a lavado e a primavera, completava
este inexplicável, que eu procurei,
em vão ainda, explicar-te.


Giánnis Ritsos (trad. Eugénio de Andrade), Rosa do Mundo 2001 Poemas para o Futuro 

12 julho, 2017

Giánnis Ritsos



















As palavras têm outra casca
lá mais para dentro
como as amêndoas 
e a paciência.


Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)

poetas que se reconhecem



Facilmente, entre eles, os poetas se reconhecem - não
por grandes palavras que deslumbram as pessoas, não
por gestos retóricos, apenas por algo
completamente trivial, de místicas dimensões, como Ifigénia
reconheceu imediatamente Orestes, mal ele lhe disse:
"Não eras tu que bordavas, no pátio, à sombra do choupo,
com belas cores, com alva tela,
o movimento errante do sol?" E ainda:
"Não estava a um canto do teu quarto, guardada,
a velha lança de Pélope?" E então ela
logo se inclinou sobre o seu ombro, cerrando os olhos,
a uma luz profunda, doce, como se o ensanguentado altar
ficasse todo coberto com essa alva tela que ela mesmo bordava
à sombra do choupo, nos quentes meios-dias, na pátria.

Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)

11 julho, 2017

Insaciável a dar

Insaciável a dar - algumas vezes até coisas
que não lhe pertenciam - como aquela montanha, por exemplo,
cor de malva no crepúsculo, com árvores de esmeralda, gravada
em vapores doirados: ou a sombra da andorinha nas espigas,
ou a forquilha caída, à noite, frente à cancela do jardim,
ou cabelos da bela mulher no acto de dizer "não".
Quanto às suas coisas - quais suas coisas? - não ficava com nenhuma;
Mantinha-se do que dava. E quando, alguma vez,
já nada tinha, cerrava os olhos, esperando
inventar algo muito maior do que ele próprio, e dá-lo.
Precisamente então, sentia que ele era aquele.

Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)

10 julho, 2017

Giánnis Ritsos


Creio na poesia, no amor, na morte,
e por isso mesmo creio na imortalidade. Escrevo um verso,
escrevo o mundo: existo; existe o mundo.
Da ponta do meu dedo mínimo corre um rio.
O céu é sete vezes azul. Esta pureza
é de novo a primeira verdade; a minha última vontade.



Giánnis Ritsos, em Poesia-Mais-Que-Perfeita (trad. Alda Leal)