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25 março, 2017

Seamus, ainda

Quando nada mais tiveres a dizer, conduz
Um dia inteiro contornando a península.
O céu tão alto como sobre uma pista,
A terra sem marcas que digam se chegamos,

Sempre a caminho, mas sempre aquém de avistar terra.
Ao sol-pôr, horizontes sorvem mar e colina,
O campo lavrado engole a branca empena
E estás de novo no escuro. Agora relembra

O brilho da areia, um tronco em silhueta,
Aquela rocha que esfarrapava as ondas,
Aves marinhas com pernas como andas,
Ilhas navegando por entre a névoa,

E regressas a casa sem nada p’ra dizer
A não ser que agora lerás qualquer paisagem
Assim: a nitidez das coisas em suas formas,
Água e terra definidas nos seus limites.


Seamus Heaney, Da Terra À Luz

24 março, 2017

Seamus

Geray Sweeney, Seamus Heaney com a sua filha Catherine
























Fantasma que vens farejar a madrugada,
Caminhante enfrentando a chuva pela noite,
Interroga-me de novo.

Seamus Heaney, Da Terra à Luz

03 dezembro, 2014

Exposto

É Dezembro em Wicklow:
Os amieiros gotejam, as bétulas
Vão herdando a última luz,
O freixo enregela-nos só de olhar.

Deveria poder ver-se ao sol-pôr
Um cometa que se perdera,
Aqueles milhões de toneladas de luz
Reluzindo como bagas de espinheiro e de roseira,

E por vezes vejo uma estrela cadente.
Se deparasse com um meteorito!
Em vez disso caminho sobre folhas húmidas,
Cascas, os despojos do outono,

Imaginando um herói
Na lama de um complexo penal,
O seu dom como a pedra de uma funda
Lançada pela causa dos desesperados.

Como cheguei a este ponto?
Penso amiúde nos conselhos
Belos e prismáticos dos meus amigos 
E nas mentes de bigorna de alguns que me odeiam

Enquanto me sento pesando e sopesando
Os meus versos de tristeza responsável.
E porquê? Pelo prazer? Pelo povo?
Pelo que se diz nas nossas costas?

A chuva escorre dos amieiros,
As suas vozes pouco sonoras
Sussurram sobre decepções e erosões,
E contudo cada gota relembra

Os absolutos de diamante.
Nem prisioneiro nem informador,
Sou um emigrado interno, de cabelo crescido,
Pensativo; um revoltoso rústico

Fugido ao massacre,
Usando como escudo as cores
De tronco  e casca de árvores, exposto
A cada rajada de vento;

Eu, que ao atiçar estas centelhas
Procurando o seu escasso calor,
Perdi o prodígio que se vê uma vez só,
A cintilação rósea do cometa.

Seamus Heaney; Da Terra à Luz