(...) E tu, belo Walt Witman, dorme nas margens do Hudson com a barba virada ao pólo e as mãos abertas. Argila branca ou neve, a tua língua chama camaradas que velem tua gazela sem corpo. Dorme,não fica nada. Uma dança de muros agita as pradarias e a América afoga-se em máquinas e pranto. Quero que o ar forte da noite mais profunda tire flores e letras do arco onde dormes e um garoto negro anuncie aos brancos do oiro a chegada do reino das espigas. Federico Garcia Lorca, Poemas,trad. Eugénio de Andrade
28 fevereiro, 2015
Federico Garcia Lorca, Las Manos Cortadas, 1935-36
Quero dormir como dormem as maçãs, afastar-me do tumulto dos cemitérios. Quero dormir como dorme o garoto que queria cortar o coração no mar alto. Não quero que me repitam que os mortos não perdem o sangue; que a boca podre continua a pedir água. Não quero saber dos martírios que dá a relva, nem da lua com boca de serpente trabalhando antes de amanhecer. Quero dormir um instante, um instante, um minuto, um século; mas que saibam todos que não morri; que sou o pequeno amigo do vento Oeste, que sou a sombra imensa de minhas lágrimas. Cobre-me com um véu pela aurora, porque me arrojará punhados de formigas, molha com água dura os meus sapatos para que a pinça do seu lacrau resvale. Quero dormir como dormem as maçãs, aprender um pranto que me limpe a terra; quero viver como o garoto sombrio que no mar alto queria cortar o coração. Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
Às vezes vê-se passar diminutos nos seus olhos. Esquece, sendo marinheiro os bares e as laranjas. Olha a água. Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade