Agnes Deres, Body Prints and Philosophical Drawings and Map Projections, 1969 -1978 |
TODOS FAZEM UM POEMA A CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE
Enquanto punha o vestido azul com margaridas amarelas
e esticava o cabelo para trás, a mulher falou alto:
é isto, eu tenho inveja de Carlos Drummond de Andrade
apesar de nossas extraordinárias semelhanças.
E decifrou o incômodo do seu existir junto com o dele.
Vamos ambos à enciclopédia, seguiu dizendo, à cata
de constituição, e paramos em "clematite, flor lilás
de ingênuo desenho que ama desabrochar nas sebes européias".
Temos terrores noturnos, diurnos desesperos
e dias seguidos onde nada acontece.
Comemos, bebemos e diante do nosso nome impresso
temos nenhum orgulho, porque esta lembrança não deixa:
uma vez, na Avenida Afonso Pena, um bêbado gritando:
"Todo o mundo aqui é um saco e tripas".
Carlos é gauche. A mim, várias vezes, disseram:
"Não sabes ler a placa? É CONTRAMÃO".
Um dia fizemos um verso tão perfeito,
que as pessoas começaram a rir. No entanto persiste,
a partir de mim, a raiva insopitada
quando citam seu nome, lhe dedicam versos,
que é uma pergunta só, nem ao menos original:
"Porque não nasci eu um simples vaga-lume?"
Só à ponta de fina faca, o quisto da minha inveja,
como aos mamões maduros se tiram os olhos podres.
Eu sou poeta? Eu sou?
Qualquer resposta verdadeira
e poderei amá-lo.
Adélia Prado, Com Licença Poética, Livros Cotovia