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01 maio, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 19 Mario Benedetti


DEFENDER A ALEGRIA
Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas
defender a alegria como um princípio
defendê-la do atordoamento e dos pesadelos
dos neutros e dos neutrões
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos
defender a alegria como uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingénuos e dos canalhas
da retórica e das paragens cardíacas
das endemias e das academias
defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
das férias e da opressão
da obrigação de estar alegres
defender a alegria como uma certeza
defendê-la da ferrugem e da sujidade
da famosa patine do tempo
do relevante e do oportunismo
dos proxenetas do riso
defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos apelidos e das mágoas
do acaso
e também da alegria.
.
.
........
.
.
QUANDO ÉRAMOS CRIANÇAS
Quando éramos crianças
os velhos tinham uns trinta
um charco era um oceano
a morte suave e plana
não existia.
depois quando rapazes
os velhos eram gente de quarenta
uma lagoa era um oceano
a morte só
uma palavra
já quando nos casámos
os anciãos estavam nos cinquenta
um lago era um oceano
a morte era a morte
dos outros.
agora veteranos
já alcançámos a verdade
o oceano é por fim o oceano
mas a morte começa a ser
a nossa.
.
.
........
.
.
NÃO TE SALVES
Não fiques parado
à beira do caminho
não congeles o júbilo
não ames com indiferença
não te salves agora
nem nunca
não te salves
não te enchas de calma
não reserves do mundo
só um recanto tranquilo
não deixes cair as pálpebras
pesadas como sentenças
não fiques sem lábios
não adormeças sem sonho
não te penses sem sangue
não te julgues sem tempo
mas se
apesar de tudo
não puderes evitá-lo
e congelas o júbilo
e amas com indiferença
e salvas-te agora
e enches-te de calma
e reservas do mundo
só um recanto tranquilo
e deixas cair as pálpebras
pesadas como sentenças
e secas-te sem lábios
e adormeces sem sonho
e pensas-te sem sangue
e julgas-te sem tempo
e ficas parado
à beira do caminho
e salvas-te
então
não fiques comigo.
.
.
Mario Benedetti (Uruguai, 1920 -2009)
(trad. Cristina Tavares /José Pinto de Sá)

13 julho, 2019

Mario Benedetti (defender a alegria)

Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas

defender a alegria como um princípio
defendê-la do pasmo e dos pesadelos
dos neutrais e dos neutrões
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos

defender a alegria como uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingénuos e dos canalhas
da retórica e das paragens cardíacas
das endemias e das academias

defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
das férias e da angústia
da obrigação de estarmos alegres

defender a alegria como uma certeza
defendê-la da ferrugem e da sarna
da famosa pátina do tempo
do relento e do oportunismo
dos proxenetas do riso

defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos apelidos e das lástimas
do acaso
e também da alegria.


Mario Benedetti, em Lacre (traduções e versões de Vasco Gato)



09 agosto, 2016

defender a alegria e Hannah

Hannah Hoch, Sammelalbum, c.1933
























defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
das férias e da agonia
da obrigação de estar alegre


Mario Benedetti