Mostrando postagens com marcador Octavio Paz. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Octavio Paz. Mostrar todas as postagens

01 maio, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 12 Octavio Paz

MADRUGADA
Rápidas mãos frias
retiram uma a uma
as vendas da sombra
Abro os olhos
ainda
estou vivo
no centro
de uma ferida ainda fresca.
........
Sob a tua clara sombra
vivo como a chama ao ar,
em tensa aprendizagem de estrela.
.........
DIZER, FAZER
Entre o que vejo e digo,
Entre o que digo e calo,
Entre o que calo e sonho,
Entre o que sonho e esqueço
A poesia.
Desliza entre o sim e o não:
diz
o que calo,
cala
o que digo,
sonha
o que esqueço.
Não é um dizer:
é um fazer.
É um fazer
que é um dizer.
A poesia diz-se e ouve-se:
é real.
E mal digo
é real,
dissipa-se.
Assim é mais real?
Ideia palpável,
palavra
impalpável:
a poesia
vai e vem
entre o que é
e o que não é.
Tece reflexos
e destece-os.
A poesia
parece olhos nas páginas
parece palavras nos olhos.
Os olhos falam
as palavras vêem,
Os olhares pensam.
Ouvir
os pensamentos,
ver
o que dizemos
tocar
o corpo
da ideia.
Os olhos
fecham-se.
As palavras abrem-se.

Octavio Paz (México, 1914-1998)
(trad. Cristina Tavares/José Pinto de Sá)

22 dezembro, 2015

Octavio Paz

A hora é transparente:
se o pássaro é invisível, vemos
a cor de seu canto.

Octavio Paz, Antologia Poética

17 fevereiro, 2015

mais duas vezes Octavio Paz



De súbito chega a palavra amêndoa

(...)
Há jardins onde o próprio vento se demora
Para se ouvir correr entre as folhas
Falam com voz tão clara os açudes
Que se vê através das suas palavras
Ergue o jasmim sua torre imaculada
De súbito chega a palavra amêndoa
Meus pensamentos deslizam como água
Imóvel vejo-os afastarem-se entre os choupos
Frente à noite idêntica alguém que não conheço
Também os pensa e os vê perderem-se.

Octavio Paz, Antologia Poética (Liberdade sob Palavra), trad. Luís Pignatelli

contempla-te em mim que te contemplo.

Tudo o que brilha na noite,
colares, olhos, astros,
serpentinas de fogos de cores,
brilha em teus braços de rio que se curva,
em teu pescoço de dia que desperta.

A fogueira que acendem na floresta,
o farol de pescoço de girafa,
o olho, girassol da insónia,
cansaram-se de esperar e perscrutar.

Apaga-te
para brilhar não há como os olhos que nos vêem:
contempla-te em mim que te contemplo.
Dorme,
veludo de bosque,
musgo onde reclino a cabeça.

A noite com ondas azuis vai apagando estas palavras,
escritas com mão volúvel na palma do sonho.

Octavio Paz, Antologia Poética (Liberdade sob Palavra), trad. Luís Pignatelli

Não te afronte tanta pequena cicatriz luminosa:

A tinta verde cria jardins, selvas, prados,
folhagens onde cantam as letras,
palavras que são árvores,
frases que são verdes constelações.

Deixa que minhas palavras,ó branca, desçam e te cubram
como uma chuva de folhas a um campo de neve,
como hera à estátua,
como a tinta a esta página.

Braços, cintura, pescoço, seios,
a fronte pura como o mar,
a nuca de bosque no outono,
os dentes que mordem um fio de erva.

Teu corpo constela-se de signos verdes
como o corpo da árvore de rebentos.
Não te afronte tanta pequena cicatriz luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.

Octavio Paz, Antologia Poética (Liberdade sob Palavra), trad. Luís Pignatelli