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09 abril, 2016

profunda primavera

CT, colagem, 2005





















Ninguém sabe estas coisas.
Mas, aproximando os meus sentidos todos
da luz da tua pele, desapareces,
fundes-te como o ácido
aroma dum fruto
e o calor dum caminho,
o cheiro do milho debulhado,
a madressilva da tarde pura,
os nomes da terra poeirenta,
o infinito perfume da pátria:
magnólia e matagal, sangue e farinha,
galope de cavalos,
a lua poeirenta das aldeias,
o pão recém-nascido:
ai, tudo o que há na tua pele volta à minha boca,
volta ao meu coração, volta ao meu corpo,
e volto a ser contigo a terra que tu és:
tu és em mim profunda primavera:
volto a saber em ti como germino.


Pablo Neruda, Versos do Capitão


09 novembro, 2015

Cy e Pablo

Cy Twombly, Untitled, 2001







































Amo-te sem saber como, ou quando, ou onde. Amo-te simplesmente, sem problemas ou orgulho; amo-te desta maneira porque não conheço outra forma de amar que não esta, na qual não existe eu ou tu, tão íntima que a tua mão no meu peito é a minha mão, tão íntima que quando adormeço os teus olhos fecham.

Pablo Neruda

05 setembro, 2015

Entretanto celebremos a irrealidade

Entretanto celebremos a irrealidade e o milagre: o homem demonstra a sua existência entrando e saindo das portas obscuras.

Pablo Neruda, Nasci para Nascer, (trad. Eduardo Saló e Mário Dionísio)


Hans Namuth, Jackson Pollock at work in his studio, 1950

02 setembro, 2015

Pablo e Yayou

Por ti, afligem-me os pesados perfumes do Estio: por ti torno a vislumbrar os sinais que precipitam os desejos, as estrelas em fuga. Os objectos que caem.

Pablo Neruda, Nasci Para Nascer


Yayou Kusama aos 10 anos, 1939

26 abril, 2015

A alegria é uma torre transparente.

Pablo Neruda, Antologia Breve

Tina Modotti, 1925
(parabéns G.)

06 agosto, 2014

Encontrei, naquela longa jornada, as doses necessárias para a formação do poema. Ali me foram dadas as contribuições da terra e da alma. E penso que a poesia é uma acção passageira ou solene em que entram em doses medidas a solidão e solidariedade, o sentimento e a acção, a intimidade da própria pessoa, a intimidade do homem e a revelação secreta da Natureza. E penso com não menor fé que tudo se apoia - o homem e a sua sombra, o homem e a sua atitude, o homem e a sua poesia - numa comunidade cada vez mais extensa, num exercício que integrará para sempre em nós a realidade e os sonhos, pois assim os une e confunde.

E digo igualmente que não sei, depois de tantos anos, se aquelas lições que recebi ao cruzar um rio vertiginoso, ao dançar em torno do crânio de uma vaca, ao banhar os pés na água purificadora das mais elevadas regiões, digo que não sei se aquilo saía de mim mesmo para se comunicar depois a muitos outros seres ou era a mensagem que os outros homens me enviavam como exigência ou embrazamento. Não sei se aquilo o vivi ou escrevi, não sei se foram verdade ou poesia, transição ou eternidade, os versos que experimentei naquele momento, as experiências que cantei mais tarde. 

De tudo aquilo, amigos, surge um ensinamento que o poeta deve aprender dos outros homens. Não há solidão inexpugnável. Todos os caminhos conduzem ao mesmo ponto: à comunicação do que somos. E é necessário atravessar a solidão e aspereza, a incomunicação e o silêncio para chegar ao recinto mágico em que podemos dançar com hesitação ou cantar com melancolia, mas nessa dança ou nessa canção acham-se consumados os mais antigos ritos da consciência; da consciência de serem homens e de acreditarem num destino comum. 


Pablo Neruda, Nasci para Nascer

04 agosto, 2014

Em criança e em adulto, andei muito mais entre rios e aves que entre bibliotecas e escritores.
Também assumi o dever antigo dos poetas: a defesa do povo, das pessoas pobres exploradas.
Isto tem importância? Penso que são fascinações comuns a todos os que escreveram, escrevem e escreverão poesia. O amor tem, é claro, muito a ver com isto e deve pôr as suas cartas na mesa.
Começo amiúde a ler disquisições sobre a poesia, que nunca chego a terminar. Uma quantidade de pessoas excessivamente cultas dispôs-se a escurecer a luz, converter o pão em carvão, a palavra em parafuso. Para separar o pobre poeta dos seus companheiros de planeta, dizem-lhe todo o género de encantadoras mentiras. «És um génio», repetem-lhe. «És um deus obscuríssimo». Às vezes, nós, poetas, acreditamos nessas coisas e repetimo-las, como se nos tivessem ofertado um reino. Na verdade, esses aduladores querem-nos  roubar um reino perigoso para eles: o da comunicação cantante entre os seres humanos.
Este mistificar e mitificar da poesia produz abundância de tratados que não leio e detesto. Recordam-me os alimentos de certas tribos polares, que uns mastigam longamente para que outros devorem. Recuso-me a mastigar teorias e convido qualquer pessoa a entrar comigo num bosque de robles vermelhos no Sul do Chile, onde principiei a amar a terra, numa fábrica de meias, uma mina de manganês (os operários de lá conhecem-me) ou qualquer parte onde se possa comer peixe frito.
Não sei se os homens se devem dividir em naturais e artificiais, realistas e ilusionistas; penso que basta colocar a um lado os que são homens e a outro os que não o são. Estes últimos nada têm a ver com a poesia ou, pelo menos, com os meus cantos.

Pablo Neruda, Nasci para Nascer

16 julho, 2014

Nunca compreendi a luta senão como um meio de acabar com ela. 
Nunca aceitei o rigor senão como meio para deixar de existir o rigor.

Tomei um caminho porque creio que esse caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura. 

Luto pela bondade ubíqua, extensa, inexaurível."

Pablo Neruda , Confesso que Vivi


05 fevereiro, 2008

Os nomes

Não os escrevi no tecto por serem grandiosos, mas por serem companheiros. Rojas Giménez, o transumante, o nocturno, trespassado pelos adeuses, morto de alegria, despassarado, louco da sombra.
Joaquín Cifuentes, cujos tercetos rolavam como pedras no rio.
Federico, que me fazia rir como mais ninguém e que nos enlutou a todos por um século.
Paul Eluard, cujos olhos cor de miosótis me parece que continuam celestes e que conservam a sua força azul debaixo da terra.
Miguel Hernández, assobiando-me à maneira de um rouxinol das árvores da Rua da Princesa antes de os presídios apanharem o meu rouxinol.
Nazim, aedo rumoroso, cavaleiro valente, companheiro.
Por que se foram embora tão depressa? Os seus nomes não resvalarão das vigas. Cada um deles foi uma vitória. Juntos foram para mim toda a luz. Agora uma pequena antologia das minhas dores.

Pablo Neruda, “Uma Casa na Areia”