Engoli uma lua de ferro,
disseram-me que era um parafuso.
Engoli resíduos industriais e fichas de desemprego,
jovens que morreram debruçados sobre máquinas,
engoli trabalho, engoli pobreza
engoli as pontes dos peões e uma vida enferrujada.
Não consigo engolir mais nada
porque tudo o que engulo me volta à boca
e verte para o chão da pátria:
um poema feito de vergonha.
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Um parafuso caiu no chão
nas horas extra desta noite escura.
Caiu verticalmente, tinindo ao de leve:
ninguém notou,
tal como da última vez,
numa noite como esta
quando alguém tombou no vazio.
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Dizem que sou
uma criança de poucas palavras.
Não o nego
mas,
fale ou não,
nesta sociedade,
estou sempre em conflito.
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Um espaço de dez metros quadrados
apertado, húmido, escuro todo o ano:
é aqui que como, durmo, cago e penso
tusso, tenho enxaquecas, envelheço, fico doente e ainda assim não morro.
Sob esta pálida luz amarela cá estou a fixar o olhar no vazio, a rir-me
como um parvo ando para trás e para a frente, canto baixinho, leio, escrevo poemas.
Sempre que abro uma janela ou uma porta
pareço um morto
a puxar lentamente a tampa do caixão.
Lu Lizhi (trad. Sara F. Costa)
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