10 abril, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 9 Anne Sexton


A NEGRA ARTE
Uma mulher que escreve sente demais,
esses arrebatamentos e presságios!
Como se ciclos e crianças e ilhas
não bastassem; como se lutos e mexericos
e legumes nunca bastassem.
Ela pensa que pode avisar as estrelas.
Uma escritora é essencialmente uma espia.
Querido amor, eu sou essa mulher.
Um homem que escreve sabe demais,
tais feitiços e fetiches!
Como se erecções e congressos e produtos
Não bastassem; como se máquinas e galeões
e guerras nunca bastassem.
Com mobília usada faz uma árvore.
Um escritor é essencialmente um vigarista.
Querido amor, tu és esse homem.
Sem nunca nos amarmos a nós próprios,
odiando até os nossos sapatos e chapéus,
amamo-nos um ao outro, querido, querido.
As nossas mãos são azul-claras e delicadas.
Os nossos olhos estão cheios de confissões terríveis.
Mas quando nos casamos,
os filhos partem com repugnância.
Há demasiada comida e não sobra ninguém
Para comer toda a estranha abundância.

........


EM CELEBRAÇÃO DO MEU ÚTERO
Toda a gente em mim é uma ave.
Bato as minhas asas todas.
Queriam eliminar-te
mas não o farão.
Disseram que eras imensuravelmente vazia
mas não és.
Disseram que estavas doente para morrer
mas estavam enganados.
Cantas como uma miúda de escola.
Não estás despedaçada.
Doce peso,
em celebração da mulher que sou
e da alma da mulher que sou
e da criatura central e sua delícia
canto para ti. Ouso viver.
[…]


Anne Sexton (EUA, 1928-1974)   (Tradução de Cristina Tavares e José Pinto de Sá)

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