01 maio, 2020

TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 16 Allen Ginsberg

AMÉRICA
América dei-te tudo e agora não sou nada.
América dois dólares e vinte e sete cêntimos 17 de Janeiro de 1956.
Não suporto o meu próprio espírito.
América quando acabarás com a guerra humana?
Vai-te foder mais a tua bomba atómica.
Não me sinto bem não me incomodes.
Não escreverei o meu poema enquanto não estiver em perfeito juízo.
América quando serás angélica?
Quando despirás a tua roupa?
Quando olharás para ti através do túmulo?
Quando serás digna do teu milhão de trotskistas?
América porque é que as tuas bibliotecas estão cheias de lágrimas?
América quando mandarás os teus ovos para a Índia?
Estou farto das tuas exigências insanas.
Quando poderei ir ao supermercado e comprar o que preciso com a minha beleza?
América no fim de contas tu e eu é que somos perfeitos e não o próximo mundo.
A tua maquinaria é demais para mim.
Deste-me vontade de ser santo.
Deve haver outra maneira de resolver esta zanga.
Burroughs está em Tânger acho que ele não volta isso é sinistro.
Estás a ser sinistra ou isto é algum tipo de piada?
Estou a tentar ir directo ao assunto.
Recuso-me a desistir da minha obsessão.
América pára de me empurrar sei o que estou a fazer.
América as flores da ameixeira estão a cair.
Faz meses que não leio os jornais, todos os dias alguém vai a julgamento por homicídio.
América sinto-me sentimental acerca dos operários industriais do mundo.
América eu costumava ser comunista quando era puto e não me arrependo.
Fumo marijuana sempre que tenho ocasião.
Sento-me em minha casa dias a fio a olhar para as rosas dentro do armário.
Quando vou a Chinatown embebedo-me e nunca me comem.
O meu espírito está decidido vai haver confusão.
Devias ter-me visto a ler Marx.
O meu psicanalista pensa que estou perfeitamente bem.
Não direi a Oração ao Senhor.
Tenho visões místicas e vibrações cósmicas.
América ainda não te disse o que fizeste ao Tio Max depois de ele vir da Rússia.
Estou a falar contigo.
Vais deixar que a tua vida emocional seja gerida pela revista Time?
Estou obcecado pela revista Time.
Leio-a todas as semanas.
A sua capa olha para mim de cada vez que me esgueiro diante da loja de doces da esquina.
Leio-a na cave da Biblioteca Pública de Berkeley.
Está sempre a falar-me de responsabilidade. Os homens de negócios são sérios. Os produtores de cinema são sérios. Todos são sérios menos eu.
Ocorre-me que sou a América.
Estou outra vez a falar para mim.
[…]

Allen Ginsberg, (EUA, 1926-1997)
(trad. Cristina Tavares /José Pinto de Sá)

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