A língua
que é líquido
sacro
não transborda
Um dedo
que tocou
a palavra
não a aborda
Luiza Neto Jorge, Terra Imóvel
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16 julho, 2019
13 julho, 2019
Luís Miguel Nava
Rogier Van Der Weyden, Deposição da Cruz (detalhe), 1436 |
As mãos são de qualquer corpo a coroa.
Luís Miguel Nava, no poema Ao Mínimo Clarão
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R
Mario Benedetti (defender a alegria)
Defender a alegria como uma trincheira
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas
defender a alegria como um princípio
defendê-la do pasmo e dos pesadelos
dos neutrais e dos neutrões
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos
defender a alegria como uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingénuos e dos canalhas
da retórica e das paragens cardíacas
das endemias e das academias
defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
das férias e da angústia
da obrigação de estarmos alegres
defender a alegria como uma certeza
defendê-la da ferrugem e da sarna
da famosa pátina do tempo
do relento e do oportunismo
dos proxenetas do riso
defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos apelidos e das lástimas
do acaso
e também da alegria.
Mario Benedetti, em Lacre (traduções e versões de Vasco Gato)
defendê-la do escândalo e da rotina
da miséria e dos miseráveis
das ausências transitórias
e das definitivas
defender a alegria como um princípio
defendê-la do pasmo e dos pesadelos
dos neutrais e dos neutrões
das doces infâmias
e dos graves diagnósticos
defender a alegria como uma bandeira
defendê-la do raio e da melancolia
dos ingénuos e dos canalhas
da retórica e das paragens cardíacas
das endemias e das academias
defender a alegria como um destino
defendê-la do fogo e dos bombeiros
dos suicidas e dos homicidas
das férias e da angústia
da obrigação de estarmos alegres
defender a alegria como uma certeza
defendê-la da ferrugem e da sarna
da famosa pátina do tempo
do relento e do oportunismo
dos proxenetas do riso
defender a alegria como um direito
defendê-la de deus e do inverno
das maiúsculas e da morte
dos apelidos e das lástimas
do acaso
e também da alegria.
Mario Benedetti, em Lacre (traduções e versões de Vasco Gato)
18 maio, 2019
Ana Cristina César
Ana Cristina César |
O HOMEM PÚBLICO N. 1
Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda
Tarde aprendi
bom mesmo
é dar a alma como lavada.
Não há razão
para conservar
este fiapo de noite velha.
Que significa isso?
Há uma fita
que vai sendo cortada
deixando uma sombra
no papel.
Discursos detonam.
Não sou eu que estou ali
de roupa escura
sorrindo ou fingindo
ouvir.
No entanto
também escrevi coisas assim,
para pessoas que nem sei mais
quem são,
de uma doçura
venenosa
de tão funda
Ana Cristina César, A Teus Pés, 1982
Ana Cristina César
FLORES DO MAIS
devagar escreva
uma primeira letra
escreva
na imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
devagar escreva
uma primeira letra
escreva
na imediações construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
Ana Cristina César, Inéditos e Dispersos, 1998
Conceição Lima
O VENDEDOR
Os olhos vagalumem como pirilampos
no encalço dos fregueses
Do fio que é a mão esvoaçam
sacos de plástico
precários, multicores balões
A Feira do Ponto é o seu pátio.
Ao fim do dia, parcimonioso,
devolve a bolsa das moedas a um adulto
e recupera a idade.
Os olhos vagalumem como pirilampos
no encalço dos fregueses
Do fio que é a mão esvoaçam
sacos de plástico
precários, multicores balões
A Feira do Ponto é o seu pátio.
Ao fim do dia, parcimonioso,
devolve a bolsa das moedas a um adulto
e recupera a idade.
Conceição Lima, A Dolorosa Raiz do Micondó
Conceiçao Lima
Há-de nascer de novo o micondó -
belo, imperfeito, no centro do quintal
belo, imperfeito, no centro do quintal
Conceição Lima, A Dolorosa Raiz do Micondó
Sophia de Mello Breyner Andresen e Conceição Lima, em S. Tomé (autor? data?) |
19 abril, 2019
Rui Knopfli
Entretanto, num levedar de ternura,
frágil e muito bela a vida desponta
na negra polpa de outros dedos.
Para nós, o prémio do aço,
a estrela de pólvora, a comenda do fogo.
Para nós a consolação do sorriso triste
e da amargura sabida. Falamo-nos
e nas palavras mais comuns
há rituais de despedida. Falamos
e as palavras que dizemos
dizem adeus.
Rui Knopfli, Máquina de Areia
frágil e muito bela a vida desponta
na negra polpa de outros dedos.
Para nós, o prémio do aço,
a estrela de pólvora, a comenda do fogo.
Para nós a consolação do sorriso triste
e da amargura sabida. Falamo-nos
e nas palavras mais comuns
há rituais de despedida. Falamos
e as palavras que dizemos
dizem adeus.
Rui Knopfli, Máquina de Areia
05 abril, 2019
Wallace Stevens
Deita fora as luzes, as definições,
E diz do que vês no escuro
Que é isto ou que é aquilo,
Mas não uses os nomes podres.
Wallace Stevens, O Homem da Viola Azul
E diz do que vês no escuro
Que é isto ou que é aquilo,
Mas não uses os nomes podres.
Wallace Stevens, O Homem da Viola Azul
31 março, 2019
aves
Ao contrário dos humanos, que raramente voam, elas
deleitam-se no voo, mas ainda ao contrário dos humanos
é muito raro que o façam na direcção de uma gaiola.
Rui Caeiro, Deus e outros animais
deleitam-se no voo, mas ainda ao contrário dos humanos
é muito raro que o façam na direcção de uma gaiola.
Rui Caeiro, Deus e outros animais
Hannah Höch, Bilderbuch, 1945 |
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Rui Caeiro
15 março, 2019
Herberto e retratos do ar
O que rutila, o que arde destacadamente
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
Herberto Helder, Poemas Completos
na noite, é o actor, com
uma voz pura monotonamente batida
pela solidão universal.
Herberto Helder, Poemas Completos
Felicitas Vogler, Ben Nicholson trabalhando no seu estúdio, casa Alla Roca, 1965 |
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Herberto e Anna
Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.
Herberto Helder, Poemas Completos
Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,
com os livros atrás a arder para toda a eternidade.
Não os chamo, e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
-Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De paixão.
Herberto Helder, Poemas Completos
Kuzma Petrov- Vodkin, Anna Akmatova, 1922 |
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01 março, 2019
Francis Ponge
O homem não é senão um navio pesado, um pássaro pesado, sobre o abismo.
Sabemo-lo por experiência.
Sabemo-lo por experiência.
Cada “battibaleno” no-lo confirma. Batemos o olhar, como o pássaro a asa, para nos aguentarmos.
Ora no cimo da vaga, ora julgando afundar-nos.
Ora no cimo da vaga, ora julgando afundar-nos.
Eternos vagabundos, pelo menos enquanto em vida.
Mas o mundo está povoado de objectos. Nas suas margens, a sua multidão infinita, a sua colecção aparece-nos, é certo, sobretudo indistinta e fluida.
Contudo isso basta para nos tranquilizar. Porque, também por experiência o sabemos, cada um deles, à nossa vontade, um de cada vez, pode tornar-se o nosso ponto de ancoragem, o marco em que nos apoiarmos.
Basta que ele pese.
Mais do que para o nosso olhar, é então coisa para a nossa mão, - que ela saiba prosseguir a manobra.
Francis Ponge,Alguns Poemas, selecção, organização e tradução Manuel Gusmão, Cotovia
Cristina Tavares, Old Mimosa, fevereiro 2019 |
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15 fevereiro, 2019
António Ramos Rosa
como se uma janela minúscula através das sombras
a cada impulso abrisse um horizonte
e o mundo ressoasse com a música de um bosque
António Ramos Rosa, Clamores
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11 janeiro, 2019
Thierry Defize
BRIBE EN HOMMAGE (A.R.-Q.)
le po
le po
le po
ème
Récit. Il se presenta sans armure.
Thierry Defize, Sans Titre 2-3-4, Les Éditions 632
le po
le po
le po
ème
Récit. Il se presenta sans armure.
Thierry Defize, Sans Titre 2-3-4, Les Éditions 632
Cristina Tavares, 2018 |
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01 janeiro, 2019
Wallace Stevens
Perhaps the truth depends on a walk around the lake.
Wallace Stevens
Cristina Tavares, Around the Lake, 31 dezembro 2018
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24 dezembro, 2018
Danielle Magalhães e Purple Rain
chama
o verão não deixará indícios
do que continua
queimando a conta gotas
o amor existe apenas
se a distância
existir como parte do processo
de aproximação entre
duas avenidas os destroços
pegam fogo as bocas
chamam um nome
que jamais irá amar novamente
somos interrompidos
como um verso
eu nunca vou escrever
um poema expressionista
anunciando o fim do mundo
uma mulher escreveu
a História
é uma história de muitos começos
e nenhum final
à distância ali
na esquina tragando
fumaça enquanto conversava
sobre o que é
amar ela disse
um poema continua sendo
um corpo todo cortado
esperando o início
da narrativa
Danielle Magalhães, Quando o Céu Cair, ed.7Letras, Brasil
Cristina Tavares, Purple Rain, 2018 |
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08 dezembro, 2018
Luz e silêncio
Destino e condição dos corpos luminosos
é o desamparo. Mesmo intimamente
a luz é doação, abrindo, abençoando,
nada defendendo. É nesse desabrigo
que encontra o seu abrigo, ou seja, a perfeição.
Assim é o silêncio também desabrigado:
enganam-se os que nele procuram um reduto
pois o silencioso a tudo fica exposto.
Destino e condição dos corações amantes
é darem-se tão frágeis em luz e em silêncio
que buscam um refúgio de Deus no próprio Deus
ficando assim perfeitos como lâmpadas na morte.
Carlos Poças Falcão, Sombra Silêncio
é o desamparo. Mesmo intimamente
a luz é doação, abrindo, abençoando,
nada defendendo. É nesse desabrigo
que encontra o seu abrigo, ou seja, a perfeição.
Assim é o silêncio também desabrigado:
enganam-se os que nele procuram um reduto
pois o silencioso a tudo fica exposto.
Destino e condição dos corações amantes
é darem-se tão frágeis em luz e em silêncio
que buscam um refúgio de Deus no próprio Deus
ficando assim perfeitos como lâmpadas na morte.
Carlos Poças Falcão, Sombra Silêncio
28 novembro, 2018
Tea for Three (Four)
Cristina Tavares, Tea for Three (Four), novembro 2018 |
O que nos liga é o que
nos liberta.
António Ramos Rosa,
Quando o inexorável, 1983
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23 novembro, 2018
Aniversário de Herberto
Deito coisas vivas e mortas no espírito da obra.
Minha vida extasia-se como uma câmara de tochas.
Herberto Helder, O Poema Contínuo
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