Jean (Hans) Arp, Forest, 1916 |
03 março, 2015
02 março, 2015
Ode a Walt Witman
(...)
E tu, belo Walt Witman, dorme nas margens do Hudson
com a barba virada ao pólo e as mãos abertas.
Argila branca ou neve, a tua língua chama
camaradas que velem tua gazela sem corpo.
Dorme,não fica nada.
Uma dança de muros agita as pradarias
e a América afoga-se em máquinas e pranto.
Quero que o ar forte da noite mais profunda
tire flores e letras do arco onde dormes
e um garoto negro anuncie aos brancos do oiro
a chegada do reino das espigas.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
E tu, belo Walt Witman, dorme nas margens do Hudson
com a barba virada ao pólo e as mãos abertas.
Argila branca ou neve, a tua língua chama
camaradas que velem tua gazela sem corpo.
Dorme,não fica nada.
Uma dança de muros agita as pradarias
e a América afoga-se em máquinas e pranto.
Quero que o ar forte da noite mais profunda
tire flores e letras do arco onde dormes
e um garoto negro anuncie aos brancos do oiro
a chegada do reino das espigas.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
01 março, 2015
28 fevereiro, 2015
Gazel da Morte Sombria
Quero dormir como dormem as maçãs,
afastar-me do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir como dorme o garoto
que queria cortar o coração no mar alto.
Não quero que me repitam que os mortos não perdem o sangue;
que a boca podre continua a pedir água.
Não quero saber dos martírios que dá a relva,
nem da lua com boca de serpente
trabalhando antes de amanhecer.
Quero dormir um instante,
um instante, um minuto, um século;
mas que saibam todos que não morri;
que sou o pequeno amigo do vento Oeste,
que sou a sombra imensa de minhas lágrimas.
Cobre-me com um véu pela aurora,
porque me arrojará punhados de formigas,
molha com água dura os meus sapatos
para que a pinça do seu lacrau resvale.
Quero dormir como dormem as maçãs,
aprender um pranto que me limpe a terra;
quero viver como o garoto sombrio
que no mar alto queria cortar o coração.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
afastar-me do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir como dorme o garoto
que queria cortar o coração no mar alto.
Não quero que me repitam que os mortos não perdem o sangue;
que a boca podre continua a pedir água.
Não quero saber dos martírios que dá a relva,
nem da lua com boca de serpente
trabalhando antes de amanhecer.
Quero dormir um instante,
um instante, um minuto, um século;
mas que saibam todos que não morri;
que sou o pequeno amigo do vento Oeste,
que sou a sombra imensa de minhas lágrimas.
Cobre-me com um véu pela aurora,
porque me arrojará punhados de formigas,
molha com água dura os meus sapatos
para que a pinça do seu lacrau resvale.
Quero dormir como dormem as maçãs,
aprender um pranto que me limpe a terra;
quero viver como o garoto sombrio
que no mar alto queria cortar o coração.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
Dois marinheiros na margem
Trouxe no seu coração
um peixe do Mar da China.
Às vezes vê-se passar
diminutos nos seus olhos.
Esquece, sendo marinheiro
os bares e as laranjas.
Olha a água.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
um peixe do Mar da China.
Às vezes vê-se passar
diminutos nos seus olhos.
Esquece, sendo marinheiro
os bares e as laranjas.
Olha a água.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
27 fevereiro, 2015
21 fevereiro, 2015
Blaise Cendrars
Depois no fim dum número de dias muito comprido...
Tínhamos mudado de casa
E os poucos quartos do nosso pequeno apartamento
estavam cheios de móveis
Já não estávamos na nossa vivenda da costa
Ficava sozinho dias inteiros
Entre móveis empilhados
Podia mesmo quebrar a loiça
Rasgar os cadeirões
Partir o piano...
Depois no fim dum número de dias muito comprido
Veio uma carta de um dos meus tios
Foi a derrocada do Panamá que fez de mim um poeta!
Tínhamos mudado de casa
E os poucos quartos do nosso pequeno apartamento
estavam cheios de móveis
Já não estávamos na nossa vivenda da costa
Ficava sozinho dias inteiros
Entre móveis empilhados
Podia mesmo quebrar a loiça
Rasgar os cadeirões
Partir o piano...
Depois no fim dum número de dias muito comprido
Veio uma carta de um dos meus tios
Foi a derrocada do Panamá que fez de mim um poeta!
Blaise Cendrars, Poesia em Viagem, trad.Liberto Cruz
20 fevereiro, 2015
Philip Levine
Pequeno Villon
Diz-me ele que em Banguecoque o roubam
Por ser branco; em Londres porque é
preto;
Em Barcelona, judeu; em Paris, árabe:
Em todo o lado & a qualquer hora,
& ele defende-se.
Ergue sete dedos grossos e pequenos
Para me mostrar que vem em sétimo lugar
a nível mundial,
E não há qualquer paixão na sua voz, nem
raiva
No liso dos olhos castanhos raiados de
sangue.
Pede-me que lhe conte tudo o que me
lembrar
Do meu pai, seu tio; fala da guerra
No Norte de África e do que veio depois,
A perda do pai, a perda do irmão,
As montras da padaria partidas, e o pão
fresco
Polvilhado de vidro, o cheiro quente a
centeio,
Tão forte que ele comia até ficar com a
boca cheia de sangue.
Eles vivem aqui, vivem aqui e não morrem,
E aponta a cabeça negra sulcada
De anéis de cabelo preto. Toca-me o
cabelo,
Diz-me para nunca desprezar
As duras cerdas que protegem a cabeça do
lutador.
De dedos tristes, percorre-me a cara,
Como sou claro, diz-me, e macio.
Ficámos de pé até ao fim desta primeira
e última visita.
Duro, 50 quilos, um metro e meio,
Não era maior que uma rapariga,
agarra-me pelos ombros,
Beija-me na boca, os olhos ainda
abertos,
Meu irmão imaginário, meu primo,
Eu próprio de outra forma, por toda a
sua dor.
Philip Levine, Not This Pig, 1968
(Tradução de Hugo Pinto Santos)
19 fevereiro, 2015
Jean e José
Não assombra a sua casa quem quer. É preciso haver tempestade e incêndio.
Jean Cocteau, Visão Invisível, trad. Aníbal Fernandes
18 fevereiro, 2015
Vestes
Dentro de um caixote ou dentro de um móvel de ébano precioso vou pôr a guardar as vestes da minha vida.
As roupas azuis. E depois as vermelhas, as mais belas de todas. E a seguir as amarelas. E por fim de novo as azuis, mas muito mais desbotadas estas últimas do que as primeiras.
Konstandinos Kavafis, Poemas e Prosas, (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis)
Da Imaginação até ao Papel
CT, (...antes de partir para lisboa com o grego), 18 fev 2015 |
OS NAVIOS
Da Imaginação até ao Papel. É uma difícil passagem, é um perigoso mar. A distância parece curta à primeira vista, e embora seja assim quão longa viagem é, e quão prejudicial por vezes para os navios que a empreenderam.
O primeiro prejuízo provém da natureza assaz frágil das mercadorias que os navios transportam. Nos mercados da Imaginação a maior parte das coisas e as melhores são fabricadas de vidros finos e de cerâmicas transparentes, e com todo o cuidado do mundo muitas se partem no caminho, e muitas se partem quando as desembarcam para terra. E todo o prejuízo deste género é sem remédio, porque é impensável que o navio volte atrás para recolher coisas da mesma forma. Não há hipótese de encontrar a mesma loja que as vendia. Os mercados da Imaginação têm lojas grandes e luxuosas mas não de duração longa. As suas transacções são curtas, arrematam as suas mercadorias rapidamente e liquidam de seguida. É muito raro um navio voltar a encontrar os mesmos exportadores com os mesmos géneros.
Um outro prejuízo provém da capacidade dos navios. Partem dos portos dos continentes prósperos sobrecarregados, e depois quando se encontrarem em alto mar vêem-se obrigados a deitar fora parte da carga para salvar o todo. De tal modo que quase nenhum navio consegue levar completos tantos tesouros quantos recolheu. As coisas despejadas são obviamente os géneros de menor valia, mas por vezes acontece que os marinheiros, na sua grande pressa, cometem erros e deitam ao mar objectos preciosos. (...)
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Sleeping Head
17 fevereiro, 2015
De súbito chega a palavra amêndoa
(...)
Há jardins onde o próprio vento se demora
Para se ouvir correr entre as folhas
Falam com voz tão clara os açudes
Que se vê através das suas palavras
Ergue o jasmim sua torre imaculada
De súbito chega a palavra amêndoa
Meus pensamentos deslizam como água
Imóvel vejo-os afastarem-se entre os choupos
Frente à noite idêntica alguém que não conheço
Também os pensa e os vê perderem-se.
Octavio Paz, Antologia Poética (Liberdade sob Palavra), trad. Luís Pignatelli
Há jardins onde o próprio vento se demora
Para se ouvir correr entre as folhas
Falam com voz tão clara os açudes
Que se vê através das suas palavras
Ergue o jasmim sua torre imaculada
De súbito chega a palavra amêndoa
Meus pensamentos deslizam como água
Imóvel vejo-os afastarem-se entre os choupos
Frente à noite idêntica alguém que não conheço
Também os pensa e os vê perderem-se.
Octavio Paz, Antologia Poética (Liberdade sob Palavra), trad. Luís Pignatelli
contempla-te em mim que te contemplo.
Tudo o que brilha na noite,
colares, olhos, astros,
serpentinas de fogos de cores,
brilha em teus braços de rio que se curva,
em teu pescoço de dia que desperta.
A fogueira que acendem na floresta,
o farol de pescoço de girafa,
o olho, girassol da insónia,
cansaram-se de esperar e perscrutar.
Apaga-te
para brilhar não há como os olhos que nos vêem:
contempla-te em mim que te contemplo.
Dorme,
veludo de bosque,
musgo onde reclino a cabeça.
A noite com ondas azuis vai apagando estas palavras,
escritas com mão volúvel na palma do sonho.
Octavio Paz, Antologia Poética (Liberdade sob Palavra), trad. Luís Pignatelli
colares, olhos, astros,
serpentinas de fogos de cores,
brilha em teus braços de rio que se curva,
em teu pescoço de dia que desperta.
A fogueira que acendem na floresta,
o farol de pescoço de girafa,
o olho, girassol da insónia,
cansaram-se de esperar e perscrutar.
Apaga-te
para brilhar não há como os olhos que nos vêem:
contempla-te em mim que te contemplo.
Dorme,
veludo de bosque,
musgo onde reclino a cabeça.
A noite com ondas azuis vai apagando estas palavras,
escritas com mão volúvel na palma do sonho.
Octavio Paz, Antologia Poética (Liberdade sob Palavra), trad. Luís Pignatelli
Não te afronte tanta pequena cicatriz luminosa:
A tinta verde cria jardins, selvas, prados,
folhagens onde cantam as letras,
palavras que são árvores,
frases que são verdes constelações.
Deixa que minhas palavras,ó branca, desçam e te cubram
como uma chuva de folhas a um campo de neve,
como hera à estátua,
como a tinta a esta página.
Braços, cintura, pescoço, seios,
a fronte pura como o mar,
a nuca de bosque no outono,
os dentes que mordem um fio de erva.
Teu corpo constela-se de signos verdes
como o corpo da árvore de rebentos.
Não te afronte tanta pequena cicatriz luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.
Octavio Paz, Antologia Poética (Liberdade sob Palavra), trad. Luís Pignatelli
folhagens onde cantam as letras,
palavras que são árvores,
frases que são verdes constelações.
Deixa que minhas palavras,ó branca, desçam e te cubram
como uma chuva de folhas a um campo de neve,
como hera à estátua,
como a tinta a esta página.
Braços, cintura, pescoço, seios,
a fronte pura como o mar,
a nuca de bosque no outono,
os dentes que mordem um fio de erva.
Teu corpo constela-se de signos verdes
como o corpo da árvore de rebentos.
Não te afronte tanta pequena cicatriz luminosa:
olha o céu e sua verde tatuagem de estrelas.
Octavio Paz, Antologia Poética (Liberdade sob Palavra), trad. Luís Pignatelli
13 fevereiro, 2015
10 fevereiro, 2015
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