queria ver se chegava por extenso ao contrário:
força e pulsação e graça,
isto é: a luz, de dentro, despedaçando tudo,
e concentrada:
estrela / estrela
Herberto Helder, A Morte Sem Mestre
24 março, 2015
Herberto
tão fortes eram que sobreviveram à língua morta,
esses poucos poemas acerca do que hoje me atormenta,
décadas, séculos, milénios,
e eles vibram,
e entre os objectos técnicos no apartamento,
rádio, tv, telemóvel,
relógios de pulso,
esmagam-me por assim dizer com a sua verdade última
sobre a morte do corpo,
dizem apenas: é igual ao pó da terra que não respira,
o que é falso, pois eu é que deixarei de respirar
sobre o pó da terra que respira,
entre o poema sumério e este poema de curto fôlego,
mas que talvez respire um dia,
ou dois, ou três dias mais:
quanto às coisas sumérias: as mãos da rapariga,
o cabelo da estreita rapariga,
a luz que estremecia nela,
tudo isso perdura em mim pelos milénios fora,
disso, oh sim, é que eu estou vivo e estremeço ainda
Herberto Helder, A
Morte Sem Mestre
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poesia,
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23 março, 2015
20 março, 2015
Hölderlin e Rachel
19 março, 2015
15 março, 2015
Adélia Prado
Fluência
Eu fiz um livro, mas oh meu Deus,
não perdi a poesia.
Hoje depois da festa,
quando me levantei para fazer café,
uma densa neblina acizentava os pastos,
as casas, as pessoas com embrulho de pão.
O fio indesmanchável da vida tecia seu curso.
Persistindo, a necessidade dos relógios,
dos descongestionantes nasais.
Meu livro sobre a mesa contraponteava exato
com os pardais, os urinóis pela metade,
o antigo e intenso desejar de um verso.
O relógio bateu sem assustar os farelos sobre a mesa.
Como antes, graças a Deus.
Adélia Prado, Com Licença Poética
Eu fiz um livro, mas oh meu Deus,
não perdi a poesia.
Hoje depois da festa,
quando me levantei para fazer café,
uma densa neblina acizentava os pastos,
as casas, as pessoas com embrulho de pão.
O fio indesmanchável da vida tecia seu curso.
Persistindo, a necessidade dos relógios,
dos descongestionantes nasais.
Meu livro sobre a mesa contraponteava exato
com os pardais, os urinóis pela metade,
o antigo e intenso desejar de um verso.
O relógio bateu sem assustar os farelos sobre a mesa.
Como antes, graças a Deus.
Adélia Prado, Com Licença Poética
14 março, 2015
Adélia
Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras.
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
do escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora de seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que o mundo lá fora havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não está vivo, aduba.
O que está estático, espera.
Adélia Prado, Com Licença Poética
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
do escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora de seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que o mundo lá fora havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não está vivo, aduba.
O que está estático, espera.
Adélia Prado, Com Licença Poética
13 março, 2015
Hölderlin
Para onde irei eu?
Vivem os mortais
De soldo e trabalho;
Alternando em fadiga e repouso
Tudo se alegra; porque não dorme então
Nunca em meu peito o espinho?
Hölderlin, Poemas, trad. Paulo Quintela
Vivem os mortais
De soldo e trabalho;
Alternando em fadiga e repouso
Tudo se alegra; porque não dorme então
Nunca em meu peito o espinho?
Hölderlin, Poemas, trad. Paulo Quintela
10 março, 2015
E e E
One need not be a
chamber to be haunted.
Não precisamos de ser um quarto para se ser assombrado.
Emily Dickinson , trad. © Cristina Tavares, 2015
Ellsworth Kelly, Flower Drawing |
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Traduzir Emily
07 março, 2015
04 março, 2015
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