03 dezembro, 2014

Exposto

É Dezembro em Wicklow:
Os amieiros gotejam, as bétulas
Vão herdando a última luz,
O freixo enregela-nos só de olhar.

Deveria poder ver-se ao sol-pôr
Um cometa que se perdera,
Aqueles milhões de toneladas de luz
Reluzindo como bagas de espinheiro e de roseira,

E por vezes vejo uma estrela cadente.
Se deparasse com um meteorito!
Em vez disso caminho sobre folhas húmidas,
Cascas, os despojos do outono,

Imaginando um herói
Na lama de um complexo penal,
O seu dom como a pedra de uma funda
Lançada pela causa dos desesperados.

Como cheguei a este ponto?
Penso amiúde nos conselhos
Belos e prismáticos dos meus amigos 
E nas mentes de bigorna de alguns que me odeiam

Enquanto me sento pesando e sopesando
Os meus versos de tristeza responsável.
E porquê? Pelo prazer? Pelo povo?
Pelo que se diz nas nossas costas?

A chuva escorre dos amieiros,
As suas vozes pouco sonoras
Sussurram sobre decepções e erosões,
E contudo cada gota relembra

Os absolutos de diamante.
Nem prisioneiro nem informador,
Sou um emigrado interno, de cabelo crescido,
Pensativo; um revoltoso rústico

Fugido ao massacre,
Usando como escudo as cores
De tronco  e casca de árvores, exposto
A cada rajada de vento;

Eu, que ao atiçar estas centelhas
Procurando o seu escasso calor,
Perdi o prodígio que se vê uma vez só,
A cintilação rósea do cometa.

Seamus Heaney; Da Terra à Luz

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