31 dezembro, 2015

Nell e Miguel

Nell Dorr, Rose Alone with the Sea,1929





















Depois, de um momento para o outro, tudo encaixa e dispara a alta velocidade, é-se sugado por um feixe de luz…

Miguel Branco



30 dezembro, 2015

29 dezembro, 2015

Francis Ponge

O OBJECTO É A POÉTICA
 (...)
Precisamos pois de escolher objectos verdadeiros, objectos indefinidamente aos nossos desejos. Objectos que voltemos a escolher dia após dia, e não como o nosso cenário, a nossa moldura; antes como os nossos espectadores, os nossos juízes; para não sermos, é certo, nem os seus dançarinos, nem os seus palhaços.
Enfim, o nosso secreto conselho.
E assim compormos o nosso templo doméstico:
Cada um de nós, enquanto somos, conhece bem, suponho, a sua Beleza.
Ela fica ao centro, jamais atingida.
Tudo em ordem à sua volta.
Ela, intacta.
Fonte do nosso pátio.


Francis Ponge, Alguns Poemas (trad. Manuel Gusmão)

Notas para uma concha

NOTAS PARA UMA CONCHA
Uma concha é uma coisa pequena, mas posso desmesurá-la recolocando-a onde a encontrei, poisada na extensão da areia. Porque então apanharei um punhado de areia e observarei o pouco que me fica na mão depois de quase todo esse punhado me ter fugido pelo interstício dos dedos, observarei alguns grãos, a seguir cada um deles, e nenhum desses grãos de areia nesse momento me continuará a aparecer como uma coisa pequena, e em breve a concha formal, essa concha de ostra ou essa tiara bastarda, ou esse “canivete”, impressionar-me-á como um monumento enorme, ao mesmo tempo colossal e precioso, algo como o templo de Angkor, Saint-Maclou, ou as Pirâmides, com uma significação muito mais estranha que esses incontáveis produtos de homens.
Se então me vier ao espírito que essa concha, que uma onda do mar pode sem dúvida recobrir, é habitada por um animal, se eu acrescentar um animal a essa concha imaginando-a recolocada sob uns centímetros de água, deixo-vos a pensar quanto crescerá, se intensificará de novo a minha impressão, e se tornará diferente daquela que pode produzir o mais notável dos monumentos que há pouco evocava!

(...)

Não sei porquê mas desejaria que o homem, em vez desses enormes monumentos que apenas testemunham a desproporção gigantesca da sua imaginação e do seu corpo (ou então dos seus ignóbeis costumes sociais, corporativos), em vez de essas estátuas à sua escala ou ligeiramente maiores (penso no David de Miguel Ângelo) que não são senão simples representações de si, esculpisse umas espécies de nichos, de conchas do seu tamanho, de coisas muito diferentes da sua forma de molusco mas contudo a ela proporcionadas ( as palhotas negras satisfazem-me bastante deste ponto de vista), que o homem pusesse o seu cuidado em criar para as gerações uma morada não muito mais corpulenta que o seu corpo, que todas as suas imaginações e razões aí estivessem compreendidas, que ele usasse o seu génio para o ajustamento e não para a desproporção, - ou, pelo menos, que o génio reconhecesse em si os limites do corpo que o suporta.

Francis Ponge, Alguns Poemas (trad. Manuel Gusmão)


28 dezembro, 2015

Ellsworth Kelly, 1923-2015

Ellsworth Kelly, Green Curves, 1951

Ellsworth Kelly

Ellsworth Kelly, Sculpture for a Large Wall, 1957


Ellsworth Kelly


Ellsworth Kelly


*
My first memory of focusing through an aperture occurred when I was around twelve years old. One evening, passing the lighted window of a house. I was fascinated by red, blue and black shapes inside a room. But when I went up and looked in, I saw a red coach, a blue drape and a black table. The shapes had disappeared. I had to retreat to see them again.

*
Making art has first of all to do with honesty. My first lesson was to see objectively, to erase all ‘meaning’ of the thing seen. Then only, could the real meaning of it be understood and felt.


*
The form of my painting is the content.


Gervasio Sánchez

Gervasio Sánchez, Niñas -Sarajevo, 1993

27 dezembro, 2015

Hannah Höch

Hannah Höch, Fashion Show, c.1925-1935


Camie Lyons

Camie Lyons, Butterfly Effect Night, 2012




Camie Lyons, Opened Cocoon' Night, 201

26 dezembro, 2015

T. S. Eliot

As pessoas estão sempre prontas a considerar-se pessoas de cultura baseando-se numa única competência, quando não só carecem de outras, mas também estão cegas em relação àquelas de que carecem.  Um artista de qualquer espécie, mesmo um artista muito grande, não é só por esta razão um homem de cultura: os artistas não são apenas muitas vezes insensíveis às outras artes que não as que praticam, mas também têm por vezes maneiras muito más ou escassos dotes intelectuais. A pessoa que contribui para a cultura, por mais importante que a sua contribuição possa ser, não é sempre uma "pessoa culta".

T.S. Eliot, Ensaios Escolhidos

imitações insinceras

Porque um homem que é capaz de experimentar descobre-se num mundo diferente em cada década da sua vida; como os vê com outros olhos, os materiais da sua arte renovam-se continuamente. Todavia, de facto muito poucos poetas têm mostrado essa capacidade de adaptação aos anos. Ela exige, realmente, uma honestidade e coragem excepcionais para enfrentar a mudança. A maior parte dos homens ou se agarra às experiências da juventude, de tal modo que a sua escrita se torna uma imitação insincera do seu trabalho mais antigo, ou deixam a paixão para trás e escrevem só com a cabeça, com um virtuosismo desperdiçado e oco. Há outra e mesmo pior tentação: a de se tornarem pomposos, de se tornarem figuras públicas apenas com uma existência pública - cabides com decorações e comendas dependuradas fazendo, dizendo e até pensando e sentindo apenas o que julgam que o público espera deles.

T.S. Eliot, Ensaios Escolhidos (a 1ª edição foi em 1932, podia ser hoje)

25 dezembro, 2015

espanta-espíritos de Antónia, ao sol

















If you live in a house - the house will not fall. 

Arseny Tarkovsky

24 dezembro, 2015

para a construção do poema 37


para a construção do poema 36


Paula e Mary

Paula Modersohn-Becker, Moonlit Landscape, c.1900


















I look; morning to night I am never done with looking.
Looking I mean not just standing around, but standing around
As though with your arms open.


Mary Oliver

23 dezembro, 2015

Sylvia e Frida

Frida Kahlo, Autoretrato, 1948


















Os cisnes desapareceram. Mas o rio
Ainda se lembra como eles eram brancos.
Corre atrás deles com as suas luzes.
Encontra as suas formas numa nuvem.
Que pássaro é aquele que grita
Com tal dor na voz?
Continuo jovem como sempre. O que estarei eu a perder?


Sylvia Plath, 
Três Mulheres: Poema a Três Vozes

22 dezembro, 2015

Robert Frank


Robert Frank, Trolley,New Orleans, 1955

Robert Frank, Detroit

Robert Frank, From the Bus


















































The eye should learn to listen before it looks.

Robert Frank

When people look at my pictures I want them to feel the way they do when they want to read a line of a poem twice.
Robert Frank


Octavio Paz

A hora é transparente:
se o pássaro é invisível, vemos
a cor de seu canto.

Octavio Paz, Antologia Poética

21 dezembro, 2015

Tina Modotti

Tina Modotti, Telegraph Wires, 1921

Sol Lewitt

Sol Lewitt, Wall Drawing #111, 1971

20 dezembro, 2015

Olafur e eu

Olafur Elliasson, Your Glacial Expectations, 2012



Vemos a minha vida partir
por entre o pinhal
sem tocar em nada.
Como pode uma vida
ser tão cautelosa?

Cristina Tavares, Lago, 1997


19 dezembro, 2015

Domenico Ghirlandaio

Domenico Ghirlandaio,
Retrato de Giovanna Tornabuoni (detalhe), 1488

18 dezembro, 2015

Miguel Branco

Miguel Branco, Ínsula,,2015


Miguel Branco, Ínsula, (9,8x12,2cm),2015

Miguel Branco, Ínsula, 2015

16 dezembro, 2015

Ângelo de Sousa

Ângelo de Sousa, s/título (10 quadros para o ano 2000), 1986

15 dezembro, 2015

para F.

Não acredito no tempo, confesso. Depois de usar o meu tapete mágico, gosto de o dobrar e deixar sobrepostos diferentes desenhos. Que importa se o visitante tropeça! O mais alto prazer da ausência de tempo - uma paisagem escolhida ao acaso - é quando estou entre borboletas raras e plantas que lhes servem de alimento. É o meu êxtase, e atrás desse êxtase qualquer outra coisa há, difícil de explicar. É como um vácuo momentâneo para onde converge o que eu amo. Sensação de unidade com sol e pedras.


Vladimir Nabokov, Fala, Memória

14 dezembro, 2015

Saul e Frederico, outra vez

Saul Leiter, Red Umbrella, c.1958







































As premonições existem em directa
consequência do uso imperfeito de cordas
no coração. Turvados os contornos à retina,
cordas-vocábulo em falso,
cordas-espasmo por cada ofensa,
ei-las, as veias d’aparição.

Frederico Mira George, O Veneno Solitário

13 dezembro, 2015

Saul e Frederico

Saul Leiter, Walk with Soames, 1958


























Na horizontalidade das vésperas, ainda
perdura a clarivisão desse itinerário. «Vou
sentado detrás a ti. Sem murmúrio, sem vulto.
Estanque como um relógio prescrito, reconhecendo
nas palpitações microscópicas dos teus dedos,
uma febre súbita de ceder
e uma última hesitação aplanada no estrado do cais.»


Frederico Mira George, O Veneno Solitário



12 dezembro, 2015

Albert Camus

Cada artista mantém, assim, no fundo de si mesmo, uma fonte única que alimenta durante a sua vida o que ele é e o que diz. Quando a fonte secou, vê-se pouco a pouco a obra endurecer, fender-se. São as terras ingratas da arte que a corrente invisível já não irriga. Com o cabelo raro e seco, o artista, protegido com palha, está maduro para o silêncio, ou para os salões, que vêm a dar ao mesmo. Por mim, sei que a minha fonte está em O Avesso e o Direito, nesse mundo de pobreza e de luz em que vivi por muito tempo e cuja recordação me preserva ainda dos dois perigos contrários que ameaçam todos os artistas: o ressentimento e a satisfação.

André Camus,  O Avesso e o Direito (prefácio)

Alice e Albarrán Cabrera



Alice: Quanto dura o para sempre?

Coelho Branco: Às vezes, só um segundo.


Lewis Carroll, Alice No País das Maravilhas


Albarrán Cabrera, da série This is You, 2015




11 dezembro, 2015

Robert Doisneau

Robert Doisneau,
"La surprenante légéreté d'une momie péruvienne" 
Musée de l'Homme, 1943




08 dezembro, 2015

Francis e Louis

Francis Bacon, Three studies of Muriel Belcher, 1966

























Eu sou o ourives das matérias decadentes, o engastador dos restos sem emprego, ando por aí ao rebusco do cabelo já cortado da Primavera. Aos que peneiram o grão peço a palha, aos da joeira o lodo desdourado. As usuais maneiras da minha linguagem são o cruel cilício das castanhas, a fina pálpebra da fisalite. Andei à cata de caruma, das perdidas penugens, duma data de sementes. De bolores fiz eu colheitas. Tratam-me por tu os líquens.

Louis Aragon, Tratado do Estilo