11 outubro, 2017

Billy Collins


Não muito tempo depois de nos termos sentado a jantar
numa longa mesa de um restaurante em Chicago
e de estarmos profundamente absortos nas pesadas ementas,
um de nós - um homem barbudo com uma gravata colorida -
perguntou se alguém já tinha considerado
aplicar os paradoxos de Zenão ao martírio de S. Sebastião.

As diferenças entre estas duas figuras
eram muito maiores do que as diferenças 
entre o guisado de galinha e a truta com amêndoas
entre os quais estava a hesitar, por isso olhei para cima e fechei a ementa.

Se, continuou o homem da gravata,
um objecto que se move através do espaço
nunca vai chegar ao seu destino porque está sempre
limitado a cortar a distância até ao seu alvo a meio,

então verifica-se que S. Sebastião não morreu
das feridas inflingidas pelas setas:
a causa da morte foi o susto perante o espectáculo da sua aproximação.
S. Sebastião, de acordo com Zenão, teria morrido de um ataque cardíaco.

Acho que vou para a truta, disse ao empregado
pois já era a minha vez de pedir,
mas durante todo o elegante jantar
continuei a pensar nas setas perpetuamente a aproximarem-se

da carne pálida e trémula de S. Sebastião,
uma revoada delas perpetuamente reduzindo a metade as curtas distâncias
ao seu corpo, amarrado a um poste com uma corda,
mesmo após os arqueiros terem arrumado tudo e ido para casa.

E pensei na bala a nunca alcançar 
a mulher de William Burroughs, uma maçã tremendo-lhe sobre a cabeça,
no ácido atirado a nunca chegar ao rosto daquela rapariga,
e no Oldsmobile a nunca lançar o meu cão para uma vala.

As teorias de Zenão flutuavam sobre a mesa
como balões de pensamento vindos do século V antes de Cristo,
e no entanto o garfo continuava a chegar à minha boca
para entregar pedaços de espargo e peixe com crosta,

e depois de comer e de brindar,
saímos do restaurante e despedimo-nos na rua
seguindo caminhos separados no mundo onde as coisas chegam mesmo a                                                                                                        algum lado,

onde as pessoas normalmente chegam ao sítio ao qual se dirigem -
onde os comboios chegam à estação com uma nuvem de vapor,
onde os gansos agitam a superfície do lago ao aterrarem,
e a pessoa que tu amas atravessa a sala e chega aos teus braços -

e sim, onde flechas afiadas podem perfurar um tronco,
salpicando de sangue a virilha e os pés do santo,

esse tema tão popular na pintura religiosa europeia.
Um hagiógrafo comparou-o a um ouriço cravado de espinhos.



Billy Collins, Amor Universal (trad. Ricardo Marques)

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