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18 abril, 2017

nascer em desaparecimento

Edouard Vuillard, Au Théâtre, 1892



















É preciso a humildade para aceitar o humano: a sua condição primeira de que se nasce em desaparecimento. As imagens, a procura são o diálogo com esse desaparecimento.


Maria Gabriela Lhansol

27 março, 2017

José Pinto de Sá, Évora, 2017



























devolvo-te ao sonho
e à palavra
se é sonho
e se é palavra
o que desejas

devolvo-te
a ti mesmo
se acaso
te procuras

desvio a luz
para que olhando
vejas


Y.K.Centeno , Perto da Terra


20 janeiro, 2017


A beleza é tão grande e nós somos
tão frágeis... Estou a falar do impossível e da vida


Daniel Faria, O Livro de Joaquim



CT, Objectos do Céu Profundo, 2016

13 janeiro, 2017

o céu claro

Alexander Calder, Snow Flurry I, 1948




























Avança cada instante inteiro e antigo
vejo-me visto leio-me lido
tudo está feito.
(E se perdemos a memória do encontro
como diremos da manhã
o céu claro?)

João Miguel Fernandes Jorge, Sobre o Mar e a Casa

07 janeiro, 2017

Aleksandr Rodchenko, Hanging Construction, 1920













































(...) Vi perfeitamente a progressão 
Do desenho, e como ele se detinha na contemplação de cada
Anjo.

Maria Gabriela Llansol, O Começo de Um Livro é Precioso


06 janeiro, 2017

_____________Estas árvores balouçam na sua hesitação
Mas prosseguem. Os ramos mais altos precipitam-se,
Abrem no ar pousadas. Os mais baixos ocupam. Sol não 
Falta. Há apenas a curva do caminho com incidências
Drásticas na sua respiração. Sim, há ainda as concorrentes,
As sementes ininterruptas, e o incompreensível desprezo
Dos Humanos. Parasceve não diz. Se o cortarem, não
Reagirá________«Porque não entendeis a leveza de prosseguir


Maria Gabriela Llansol, "O Começo de um Livro é Precioso"

19 dezembro, 2016

Gabriela

É estranho pintar. Teu Spinoza dir-te-ia que a sensação
Do traço se desenvolve sem harmonia nos nós da tela e 
Do teu corpo. Diferentes os traços da manhã, os do meio
Dia e os do entardecer. Até veres tua mulher de noite
Respirando a dormir entre poemas de Walt Whitman.
Seu destino é narrar o maior desejo. Seja ele silêncio,
Sono ou acção meditativa. Narrar o encontro de dois
Animais que se farejam. Narrar a vitalidade combativa,
Mesmo quando compassiva. Narrar o cérebro retraído
Dos Senhores da Guerra. Narrar a postura de teu corpo
Enquanto esperas que o olhar se disponha enfim na cena.
Narrar a ausência do humano e do seu tipo. A atmosfera
É o traço deixado.

Maria Gabriela Lhansol, O Começo de Um Livro É Precioso


12 dezembro, 2016

Tolentino

Se agitares tesouras numa fogueira
não esqueças que me feres
um avesso de lume é o meu único
segredo
no impreciso avanço das lâminas
um anjo o descobriria
Tira a faca da gaveta
mas não esqueças
se a cravares na água
com altas vagas o mar me sepultará
dentro da casa abandonada
Não lamentes serem os versos
saberes tão frágeis
as flores mais belas são as que se colhem
quando ainda se ignora a morte"


José Tolentino Mendonça,  A Noite Abre Meus Olhos (Poesia Reunida)

10 novembro, 2016

Saul e Sophia

Saul Leiter, Boy, 1960













Como é estranha a minha liberdade

As coisas deixam-me passar
Abrem alas de vazio para que eu passe
Como é estranho viver sem alimento
Sem que nada em nós precise ou gaste
Como é estranho não saber.


Sophia de Mello Breyner Andersen, Antologia


23 outubro, 2016

Helder Moura Pereira

Não sei o que querias
mais, as mulheres 
de azul, os pajens 
loiros. Não feches 
os olhos, inclina
a cabeça, o que sonhaste
está aqui. As mulheres 
loiras, os pajens 
de azul.


Helder Moura Pereira, O Amor Desta Morte

16 setembro, 2016

Blue J



José Sá, Maputo, set 2016







































Durante a primavera inteira aprendo
os trevos, a água sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço -
e penso que vou dizer algo cheio de razão,
mas quando a sombra cai da curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que me falta
um girassol, uma pedra, uma ave - qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei dizer-te sem milagres
que dentro de mim é o sol, o fruto,
a criança, a água, o deus, o leite, a mãe,
o amor,
que te procuram.

Herberto Helder,  Poesia Toda


09 setembro, 2016

Gastão Cruz

Que farei no outono quando ardem
as aves e as folhas e se chove
é sobre o corpo descoberto que arde
a água do outono
Que faremos do corpo e da vontade
de o submeter ao fogo do outono
quando o corpo se queima e quando o sono
sob o rumor da chuva se desfaz
Tudo desaparece sob o fogo
tudo se queima tudo prende a sua
secura ao fogo e cada corpo vai-se
prendendo ao fogo raso
pois só pode
arder imerso quando tudo arde


Gastão Cruz, As Aves, Iniciativas Editoriais 

30 agosto, 2016

o bebedor nocturno

CT, exercícios com a noite, abril 2016

























Fragmento do Cairo

Quando eu a cinjo e ela me abre os braços,
sou como um homem que regressa da Arábia,
impregnado de perfumes.

Herberto Helder, O Bebedor Nocturno - poemas mudados para português

26 agosto, 2016

algumas palavras

Lucian Freud, Girl wih Fig Leaf, 1947




















Algumas palavras existem.  E vão sendo transcritas: Se eu disser que há sol nos meus pensamentos, ninguém compreenderá que os meus pensamentos estão tristes.
Fiama Hasse Pais Brandão, Em Cada Pedra Um Voo Imóvel


23 agosto, 2016

tudo se ilumina

Francesco del Cossa, Santa Lucia (detalhe), 1472-73










A realidade é um repto. A poesia é um rapto. De uma para a outra queimam-se os dedos, e como é de fogo que aqui se trata, tudo se ilumina.


Herberto Helder, Photomaton & Vox



20 agosto, 2016

Emmet e Herberto

Emmet Gowin, Off Road Traffic Patern
along the Northwest Shore of the Great Salt Lake, Utah
, 1988



















O dia abre a cauda de água, o copo
vibra com tanta força,
as unhas fulguram sobre a toalha.
Cada palavra pensa cada coisa.
Entre imagens de ouro e vento, a constelação arterial dos objectos
do mundo alarga os braços furiosamente
de abismo a abismo.
A mão convulsa manobra a vida máxima.
E então sou devorado pelos nomes
selvagens.


Herberto Helder, Última Ciência

13 julho, 2016

Daniel e Tacita (um oxigénio difícil)

Falo daquilo que vejo, embora possas pensar que sou cego
seguindo as mãos - sim, toco as palavras nas suas superfícies 
e utensílios.

A primeira palavra que os olhos viram, agora que a recordo,
parecia uma imagem - sim, um som desenhado como um fóssil
(falo de fóssil, mesmo
que ele demore a aparecer no que digo),
um som do tamanho de um azulejo; agora que me lembro que era uma palavra

que brilhava nos meus olhos ao vê-la
(ver uma palavra era uma planta muito diferente,
um oxigénio muito difícil de se respirar).

Sim, agora vejo que falo, embora possas pensar que sigo pelo tacto a escrita.
Sim, eu leio e decifro. E agora sei que oiço as coisas devagar.


Daniel Faria, Poesia



Tacita Dean, detail from Sunset, 2015

12 julho, 2016

Daniel Faria

Houvesse um sinal a conduzir-nos
E unicamente ao movimento de crescer nos guiasse. Temos das árvores
A incomparável paciência de procurar o alto
a verde bondade de permanecer
E orientar os pássaros

Daniel Faria, Poesia

11 julho, 2016

Daniel Faria

Repito a corrida na memória quando estou parado
Penso velozmente que o amor, como Dante disse, é um estado
De locomoção. É um motor. E fico a trabalhar no mecanismo secreto
Do amor.

Daniel Faria, Poesia


27 junho, 2016

anjo de mãos pequenas


tu estás do meu lado
a noite inteira, anjo de mãos pequenas
nos despenhadeiros da terra

esta estrada não nos levará muito longe
mas sim eu serei o teu amigo
até ao fim


Rui Pires Cabral, Morada

CT, Blue Velvet, 2016