não
esperar para além do esgar do papel
não
esperar para além da fecundidade do não pedido
demorar
as palavras na mão
fazer
crescer qualquer coisa com três
metros
e meio de altura e alguns centímetros
de
comprimento
pacientar-se
deixar
meio milímetro livre entre duas palavras
dois
vírgula sete centímetros para
caberem
as oito letras da angústia
ousar
abrir o esporão das vírgulas
levantar
os pontos de exclamação até à altura do
silêncio
e da
eternidade
passear
os olhos pelos quatro cantos do
papel
como se lhe procurássemos a nudez disfarçada
de
súbito
deixar
cair os olhos
nesse
espaço alegre entre duas linhas
contemplar
a
brancura do papel como se ao amarrotá-lo
se
soltassem as flores
ver
despontar — como caranguejos que o mar
despreza –
a
escrita circular e a consciência do encarcerado
Mbate Pedro, Vácuos, Moçambique, 2017