28 dezembro, 2013

A fisionomia, o carinho das coisas impalpáveis,
o balbuciar, todo em amarelo, dos limões...
Cintura na pedra, correio subtil de Lesbos para Marte.

Antinous visitou-me. Deixou a casa desarrumada 
e um projecto em mim demasiadamente longo.
No frágil da memória eu durmo e sou eu,
deuses de papelão sentando-se a meu lado. 

No leito fluvial por onde dorme o cisne
chamam por mim os outros príncipes. Todos
irmãos.

Escuridão nova na velha escuridão,
efeito de luz nas janelas do poema...


O meu cão dorme. He is a poet, isn't he?

Mário Botas, “Canto de Mar – antologia de poesia sobre a Nazaré”

26 dezembro, 2013

(...)
adormecemos
com uma mão debaixo da cabeça
e com a outra num aterro de planetas

os nossos pés abandonam-nos
e tocam a terra
com as suas raízes minúsculas
que de manhã
arrancamos dolorosamente

Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"
ESCOLHIDO PELAS ESTRELAS

Ele não é um anjo
é um poeta

não tem asas
tem apenas a mão
direita coberta de penas

agita o ar com ela
levita durante três segundos
e cai de seguida

quando está quase pousado
ganha de novo impulso com as pernas
paira por um instante
agitando a mão coberta de penas

oh se só ele pudesse vencer a atracção
da terra
poderia viver num ninho de estrelas
poderia saltar de raio em raio
poderia -

mas as estrelas
à simples ideia
de serem a sua terra
quase morrem de medo

o poeta cobre os olhos
com a mão coberta de penas
não sonha mais com voar
sonha com uma queda
aquela que como um relâmpago desenha
o perfil do infinito

Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"

(obrigada, G.)
Zbigniew Herbert
Zbigniew Herbert
DUAS GOTAS

A floresta estava a arder -
contudo
cingiam o pescoço com as mãos
como se fossem ramos de rosas

As pessoas corriam para os abrigos -
ele disse que a sua mulher tinha uma cabeleira
em cujas profundezas se podia esconder

Cobertos por uma manta
sussurravam palavras impúdicas
a litania daqueles que se amam

Quando as coisas se tornaram feias
saltaram para dentro dos olhos de cada um
e fecharam-nos com firmeza

Com firmeza não sentiram as chamas
quando elas chegaram às pestanas

Até ao fim foram corajosos
até ao fim foram fiéis
até ao fim foram semelhantes
como duas gotas
coladas na orla de um rosto

Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"

25 dezembro, 2013

Wimslow Homes, "The New Novel", 1877

24 dezembro, 2013























jacintos de dezembro
(da série "desenhos de maio")
Yuksel Arslan,"L'Homme XXVI,Hallucinations" (detalhe), 1988

23 dezembro, 2013

L'oeil de Marie Clémentine, Museu Condé, França

22 dezembro, 2013


























livros de prévert com as suas colagens na capa 
(éditions Folio)

21 dezembro, 2013

Jacques Prévert, colagem, 1963

Giselle Freund, "Prévert e Ida Chagall", 1953 

Jacques Prévert, envelope  de carta para Picasso
Prévert e Picasso, 1951



Un homme entre chez une fleuriste
et choisit des fleurs
la fleuriste enveloppe les fleurs
l'homme met la main à sa poche
pour chercher l'argent
l'argent pour payer les fleurs
mais il met en même temps
subitement
la main sur son coeur
et il tombe

En même temps qu'il tombe
l'argent roule à la terre
et puis les fleurs tombent
en même temps que l'homme
en même temps que l'argent
et la fleuriste reste là
avec l'argent qui roule
ave les fleurs qui s'abîment
avec l'homme qui meurt
évidement tout cela est très triste
et il faut qu'elle fasse quelque chose
la fleuriste
mais elle ne sait pas comment s'y prendre
elle ne sait pas
par quel bout commencer

Il ya tant de choses à faire
avec cet homme qui meurt
ces fleurs qui s'abîment
et cet argent
cet argent qui roule
qui n'arrête pas de rouler.

Jacques Prévert, "Paroles"
Cet amour
Si violent
Si fragile
Si tendre
Si désesperé
Cet amour
Beau comme le jour
Et mauvais comme le temps
Quand le temps est mauvais
(..)

Jacques Prévert, "Paroles"

20 dezembro, 2013

Colagens de Jacques Prévert



17 dezembro, 2013

“Fazem-lhe notar que realizou uma grande quantidade de trabalho durante o Verão, mau grado as numerosas interrupções devidas às visitas.

-Sim, quem sabe? Foi talvez das interrupções.”

Picasso por Picasso (organização de Paul Désalmand )

16 dezembro, 2013

É agosto e já não
leio um livro há seis meses
excepto uma coisa chamada A Retirada de Moscovo
por Caulaincourt.
Contudo, estou feliz
a passear de carro com o meu irmão
bebendo um quartilho de Old Crow.
Não temos nenhum lugar em mente para onde ir,
apenas estamos conduzindo.
Se eu fechasse os olhos por um minuto
estaria perdido, porém
de bom grado poderia deitar-me e dormir para sempre
na berma desta estrada.
O meu irmão incentiva-me.
A qualquer minuto algo irá acontecer.


Raymond Carver, “Fogos”

(homenagem ao amigo, ao pintor e à Pintura)

   
Armando Sales Luís, "O Quarto", 2013









































"São momentos nos quais, numa particular situação emotiva (uma hora do dia, um acontecimento que faz fixar a nossa atenção sobre um objecto), as coisas aparecem-nos a uma luz nova. Não nos remetendo a uma Beleza fora desses objectos (...) aparecem simplesmente, com uma intensidade que antes era ignorada, e apresentam-se cheios de significado, assim que compreendemos como só naquele momento obtivemos a experiência completa, e que a vida é digna de ser vivida, só para acumular tais experiências."

Umberto Eco , "Storia della Belleza"


14 dezembro, 2013

Dubuffet, Double Portrait au Chapeau Melon, 1936