31 dezembro, 2013
"but tell me who will put flowers
on a flower's grave?"
Tom Waits
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CT,2013, jacintos de dezembro (da série desenhos de maio) |
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desenhos de maio,
poesia
30 dezembro, 2013
Al Berto
adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia
Al Berto |
ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
Cada vez escrevo / produzo menos, mas o pouco
que produzo requer tempo. Requer toda a minha disponibilidade, toda a
minha paixão. Não posso continuar com coisas exteriores à minha escrita a
perturbarem-me. Tenho de avançar rapidamente com o projecto que me obceca há
muito. O tempo faz-se escasso.
Faz um frio de partir os ossos. Os dias
cheios dum sol espantoso, uma limpidez que se vê a costa até ao Cabo Sardão. Às
vezes desejaria ter sido pastor, homem transumante. Ir e regressar, com o sol e
com as chuvas, ir e regressar sempre com o ciclo das estações…
Fiz 36 anos, hoje, acabaram-se para sempre
algumas coisas, outras iniciam-se agora, só a juventude não se recomeça nem tem
início hoje… Tenho de começar a habituar-me à grande desolação dos dias, sempre
mais vazios, sem ninguém, porque assim o quis.
A partir de hoje tenho o tempo todo para
escrever, para não fazer nada, envelhecerei calmamente. Tenho a certeza. Não há
tempo, ainda bem!
Al Berto, " Diários"
(para a escrita de f)
29 dezembro, 2013
Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
como crianças órfãs
Homens agitados sem bússola onde repousem
Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas
Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas
Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são sítios desviados
do lugar
Daniel Faria, "Poesia"
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
como crianças órfãs
Homens agitados sem bússola onde repousem
Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas
Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas
Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são sítios desviados
do lugar
Daniel Faria, "Poesia"
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poesia portuguesa
28 dezembro, 2013
A fisionomia, o carinho das coisas impalpáveis,
o balbuciar, todo em amarelo, dos limões...
Cintura na pedra, correio subtil de Lesbos para Marte.
Antinous visitou-me. Deixou a casa desarrumada
e um projecto em mim demasiadamente longo.
No frágil da memória eu durmo e sou eu,
deuses de papelão sentando-se a meu lado.
No leito fluvial por onde dorme o cisne
chamam por mim os outros príncipes. Todos
irmãos.
Escuridão nova na velha escuridão,
efeito de luz nas janelas do poema...
O meu cão dorme. He is a poet,
isn't he?
Mário Botas, “Canto de Mar – antologia de poesia sobre
a Nazaré”
26 dezembro, 2013
ESCOLHIDO PELAS ESTRELAS
Ele não é um anjo
é um poeta
não tem asas
tem apenas a mão
direita coberta de penas
agita o ar com ela
levita durante três segundos
e cai de seguida
quando está quase pousado
ganha de novo impulso com as pernas
paira por um instante
agitando a mão coberta de penas
oh se só ele pudesse vencer a atracção
da terra
poderia viver num ninho de estrelas
poderia saltar de raio em raio
poderia -
mas as estrelas
à simples ideia
de serem a sua terra
quase morrem de medo
o poeta cobre os olhos
com a mão coberta de penas
não sonha mais com voar
sonha com uma queda
aquela que como um relâmpago desenha
o perfil do infinito
Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"
(obrigada, G.)
Ele não é um anjo
é um poeta
não tem asas
tem apenas a mão
direita coberta de penas
agita o ar com ela
levita durante três segundos
e cai de seguida
quando está quase pousado
ganha de novo impulso com as pernas
paira por um instante
agitando a mão coberta de penas
oh se só ele pudesse vencer a atracção
da terra
poderia viver num ninho de estrelas
poderia saltar de raio em raio
poderia -
mas as estrelas
à simples ideia
de serem a sua terra
quase morrem de medo
o poeta cobre os olhos
com a mão coberta de penas
não sonha mais com voar
sonha com uma queda
aquela que como um relâmpago desenha
o perfil do infinito
Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"
(obrigada, G.)
DUAS GOTAS
A floresta estava a arder -
contudo
cingiam o pescoço com as mãos
como se fossem ramos de rosas
As pessoas corriam para os abrigos -
ele disse que a sua mulher tinha uma cabeleira
em cujas profundezas se podia esconder
Cobertos por uma manta
sussurravam palavras impúdicas
a litania daqueles que se amam
Quando as coisas se tornaram feias
saltaram para dentro dos olhos de cada um
e fecharam-nos com firmeza
Com firmeza não sentiram as chamas
quando elas chegaram às pestanas
Até ao fim foram corajosos
até ao fim foram fiéis
até ao fim foram semelhantes
como duas gotas
coladas na orla de um rosto
Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"
A floresta estava a arder -
contudo
cingiam o pescoço com as mãos
como se fossem ramos de rosas
As pessoas corriam para os abrigos -
ele disse que a sua mulher tinha uma cabeleira
em cujas profundezas se podia esconder
Cobertos por uma manta
sussurravam palavras impúdicas
a litania daqueles que se amam
Quando as coisas se tornaram feias
saltaram para dentro dos olhos de cada um
e fecharam-nos com firmeza
Com firmeza não sentiram as chamas
quando elas chegaram às pestanas
Até ao fim foram corajosos
até ao fim foram fiéis
até ao fim foram semelhantes
como duas gotas
coladas na orla de um rosto
Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"
24 dezembro, 2013
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