CT, 2014, dia de sol (da série desenhos de maio) |
10 março, 2014
Robert Rauschenberg, 1963 |
ENCONTRO
Ele
não apareceu.
Talvez
tenha adoecido ou ficado debaixo de
um
eléctrico. Talvez outra pessoa se pusesse na conversa com ele.
Talvez
se tenha esquecido do relógio,
ou
o relógio se tenha esquecido de lhe dar o tempo certo.
Talvez
o carro não pegasse,
ou
tenha ficado avariado a meio do caminho.
Talvez
alguém lhe telefonasse quando ia a sair de casa,
dizendo-lhe
que tinha de ir a um funeral
ou
que a mãe dele tinha morrido.
Talvez
tenha encontrado um antigo conhecido.
Talvez
tenha tido uma discussão no emprego,
tenha
sido despedido e esteja a esconder
a
cabeça debaixo de uma almofada.
Talvez
a ponte estivesse fechada e
a
seguinte também.
Talvez
o semáforo permanecesse vermelho.
Talvez
o multibanco tenha engolido o cartão
ou
a meio do caminho tenha reparado que se esquecera
do
porta-moedas.
Talvez
tenha perdido os óculos,
não
conseguisse deixar de ler,
houvesse
um programa que ele queria acabar de ver,
não
conseguisse dar a volta à fechadura da porta,
não
encontrasse as chaves em sítio nenhum e
o
cão dele de repente começasse a vomitar.
Talvez
não houvesse um telefone por perto,
não
encontrasse o restaurante
ou
esteja à espera noutro sítio, por engano.
Talvez
– a última possibilidade,
incompreensível
e inesperada –
ele
tenha deixado de me amar.
Hagar Peeters, " Por Hoje, Chega de Poesia Sobre o Amor" (em Poesia Ilimitada )
07 março, 2014
Um ramo com trinta anémonas azuis.
Uma com o caule quebrado em vários sítios,
cada quebra dá-lhe um movimento diferente.
Assim é ela a única flor que olha lá para fora.
Não penses logo: é o poeta. Ele ainda não sabe
não sabe com qual das trinta se identifica mais.
Ainda não sabe sequer que mais logo
receberá anémonas azuis.
Judith Herzberg, O Que Resta Do Dia
Uma com o caule quebrado em vários sítios,
cada quebra dá-lhe um movimento diferente.
Assim é ela a única flor que olha lá para fora.
Não penses logo: é o poeta. Ele ainda não sabe
não sabe com qual das trinta se identifica mais.
Ainda não sabe sequer que mais logo
receberá anémonas azuis.
Judith Herzberg, O Que Resta Do Dia
Nunca ninguém tem a certeza de nada,
de ser amado, de ser abandonado
tudo é possível e tudo é permitido
tudo sucede em alternância.
Agora me lembro o que queria dizer:
enquanto isso não trouxer infelicidade
é uma sensação agradável. Mas no fundo
somos doces como Turkish Delight
numa lata cheia de pregos.
Judith Herzberg, O Que Resta Do Dia
de ser amado, de ser abandonado
tudo é possível e tudo é permitido
tudo sucede em alternância.
Agora me lembro o que queria dizer:
enquanto isso não trouxer infelicidade
é uma sensação agradável. Mas no fundo
somos doces como Turkish Delight
numa lata cheia de pregos.
Judith Herzberg, O Que Resta Do Dia
Judith Herzberg, por Chris van Houts |
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06 março, 2014
Contar os grãos de areia destas dunas é o meu ofício actual. Nunca julguei que fossem tão parecidos, na pequenez imponderável, na cintilação de sal e oiro que me desgasta os olhos. O inventor dos jogos meu amigo veio encontrar-me quase cego. Entre a névoa radiosa da praia mal o conheci. Falou com a exactidão de sempre:
«O que lhe falta é um microscópio. Arranje-o depressa, transforme os grãos imperceptíveis em grandes massas orográficas, em astros, e instale-se num deles. Analise os vales, as montanhas, aproveite a energia desse fulgor de vidro esmigalhado para enviar à Terra dados científicos seguros. Escolha depois uma sombra confortável e espere que os astronautas o acordem».
«O que lhe falta é um microscópio. Arranje-o depressa, transforme os grãos imperceptíveis em grandes massas orográficas, em astros, e instale-se num deles. Analise os vales, as montanhas, aproveite a energia desse fulgor de vidro esmigalhado para enviar à Terra dados científicos seguros. Escolha depois uma sombra confortável e espere que os astronautas o acordem».
Carlos de Oliveira, Trabalho Poético
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05 março, 2014
André Breton por Man Ray, 1935 |
Uma palavra e tudo está salvo
Uma palavra e tudo está perdido.
Uma palavra e tudo está perdido.
André Breton, " O Revólver de Cabelos Brancos"
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04 março, 2014
(...)
O sentido do raio de sol
O clarão azul que liga as machadadas do lenhador
O fio do papagaio de papel em forma de coração ou de laço
O batimento ritmado da cauda dos castores
A diligência do relâmpago
O arremesso de confeitos do alto das velhas escadas
A avalanche
A câmara dos sortilégios
Não cavalheiros não é a oitava Câmara
Nem os vapores da camarata ao domingo à noite
Os passos de dança transparentes por cima dos mares
A demarcação na parede dum corpo de mulher ao lançar de punhais
As claras volutas do fumo
Os anéis do teu cabelo
A curva da esponja das Filipinas
Os nós da serpente vermelha
A entrada da hera nas ruínas
Tem todo o tempo à sua frente
O abraço poético como o abraço carnal
Enquanto dura
Impede toda a fugida sobre a miséria do mundo
André Breton, "Poemas"
O sentido do raio de sol
O clarão azul que liga as machadadas do lenhador
O fio do papagaio de papel em forma de coração ou de laço
O batimento ritmado da cauda dos castores
A diligência do relâmpago
O arremesso de confeitos do alto das velhas escadas
A avalanche
A câmara dos sortilégios
Não cavalheiros não é a oitava Câmara
Nem os vapores da camarata ao domingo à noite
Os passos de dança transparentes por cima dos mares
A demarcação na parede dum corpo de mulher ao lançar de punhais
As claras volutas do fumo
Os anéis do teu cabelo
A curva da esponja das Filipinas
Os nós da serpente vermelha
A entrada da hera nas ruínas
Tem todo o tempo à sua frente
O abraço poético como o abraço carnal
Enquanto dura
Impede toda a fugida sobre a miséria do mundo
André Breton, "Poemas"
03 março, 2014
Nush e Paul Eluard |
Ela está de pé nas minhas pálpebras
com os dedos nos meus entrelaçados.
Ela cabe toda em minhas mãos,
ela tem a cor dos meus olhos
e desaparece na minha sombra
como uma pedra sobre o céu.
Tem sempre os olhos abertos
e não me deixa dormir.
Os sonhos dela à luz do dia
fazem os sóis evaporar-se,
fazem-me rir, chorar e rir,
falar sem ter nada a dizer.
Paul Eluard, "Algumas das Palavras"
(...)
Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te não ter,
A candura de te esperar, a inocência de te conhecer,
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e a ignorância,
Que suprimes a ausência e que me pões a cantar
O mistério em que o amor me cria e me liberta.
Tu és pura, tu és ainda mais pura do que eu próprio.
Paul Eluard, "Algumas das Palavras"
Canto a grande alegria de te cantar,
A grande alegria de te ter ou te não ter,
A candura de te esperar, a inocência de te conhecer,
Ó tu que suprimes o esquecimento, a esperança e a ignorância,
Que suprimes a ausência e que me pões a cantar
O mistério em que o amor me cria e me liberta.
Tu és pura, tu és ainda mais pura do que eu próprio.
Paul Eluard, "Algumas das Palavras"
Nush e Paul Eluard |
01 março, 2014
28 fevereiro, 2014
27 fevereiro, 2014
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