04 agosto, 2014

Em criança e em adulto, andei muito mais entre rios e aves que entre bibliotecas e escritores.
Também assumi o dever antigo dos poetas: a defesa do povo, das pessoas pobres exploradas.
Isto tem importância? Penso que são fascinações comuns a todos os que escreveram, escrevem e escreverão poesia. O amor tem, é claro, muito a ver com isto e deve pôr as suas cartas na mesa.
Começo amiúde a ler disquisições sobre a poesia, que nunca chego a terminar. Uma quantidade de pessoas excessivamente cultas dispôs-se a escurecer a luz, converter o pão em carvão, a palavra em parafuso. Para separar o pobre poeta dos seus companheiros de planeta, dizem-lhe todo o género de encantadoras mentiras. «És um génio», repetem-lhe. «És um deus obscuríssimo». Às vezes, nós, poetas, acreditamos nessas coisas e repetimo-las, como se nos tivessem ofertado um reino. Na verdade, esses aduladores querem-nos  roubar um reino perigoso para eles: o da comunicação cantante entre os seres humanos.
Este mistificar e mitificar da poesia produz abundância de tratados que não leio e detesto. Recordam-me os alimentos de certas tribos polares, que uns mastigam longamente para que outros devorem. Recuso-me a mastigar teorias e convido qualquer pessoa a entrar comigo num bosque de robles vermelhos no Sul do Chile, onde principiei a amar a terra, numa fábrica de meias, uma mina de manganês (os operários de lá conhecem-me) ou qualquer parte onde se possa comer peixe frito.
Não sei se os homens se devem dividir em naturais e artificiais, realistas e ilusionistas; penso que basta colocar a um lado os que são homens e a outro os que não o são. Estes últimos nada têm a ver com a poesia ou, pelo menos, com os meus cantos.

Pablo Neruda, Nasci para Nascer

30 julho, 2014

Gentile Belini, Escriba Sentado da Corte do Sultão Otomano Mehmed II, c.1479

27 julho, 2014

Gyrdir Eliasson, Islândia (1961 - )

 CRIATURAS DE LUZ

O bolbo da minha lâmpada
é habitado por gente que
tem ventosas nos pés
e sobe pelo vidro delgadíssimo
por dentro e dorme em redes
de molas tensas no topo da lâmpada
e quando a apago
à noite ouço os débeis
roncos do casquilho.

E então volto a acendê-la
às vezes.

~~

COMPAIXÃO

Caminho
pelo páramo
através da treva
e visões
aladas voam à minha
volta.

Vou
pelo mar
através da treva
e as aves nocturnas
pousam no meu
barco.

Não estou
nunca
completamente só.

Gyrdir Eliasson
Paul Klee, Memory of a Bird, 1932

24 julho, 2014


  CT, Danças, 2003

21 julho, 2014

David Hockney, My Parents, 1977

19 julho, 2014

David Hockney, Worldgate Woods, 2006

18 julho, 2014

17 julho, 2014

Still de Le Sang du Poète, Jean Cocteau, 1930

16 julho, 2014

Nunca compreendi a luta senão como um meio de acabar com ela. 
Nunca aceitei o rigor senão como meio para deixar de existir o rigor.

Tomei um caminho porque creio que esse caminho nos leva, a todos, a essa amabilidade duradoura. 

Luto pela bondade ubíqua, extensa, inexaurível."

Pablo Neruda , Confesso que Vivi


15 julho, 2014

Andre Dérain, Nuque de Femme, c. 1928

13 julho, 2014

Aujourd'hui encore je n'attends rien que de ma seule disponibilité, que de cette soif d'errer à la rencontre de tout, dont je m'assure qu'elle me maintient en communication mystérieuse avec les autres êtres disponibles, comme si nous étions appelés à nous réunir soudain. J'aimerais que ma vie ne laissât après elle d'autre murmure que celui d'une chanson de guetteur, d'une chanson pour tromper l'attente. Indépendamment de ce qui arrive, n'arrive pas, c'est l'attente qui est magnifique.
~~

Tourne, sol, et toi, grande nuit, chasse de mon coeur tout ce qui n'est pas la foi en mon étoile nouvelle !
~~

Le choix initial en amour n'est pas réellement permis dans la mesure même où il tend exceptionnellement à s'imposer, il se produit dans une atmosphère de non-choix.


André Breton, L'Amour Fou

12 julho, 2014

Alexandra Valenti

11 julho, 2014

Edgar Degas, L'Attente, 1882
Edgar Degas, L'Attente, 1882 (detalhe)

08 julho, 2014

Robert Frank, Canal Street, New Orleans, 1955

07 julho, 2014

Oluf Tostrup, Diadema, 1875

















Queres saber o que rezo nas orações?
troncos secos, gravetos
cercas e barro vermelho.


José Tolentino Mendonça, A Papoila e o Monge

05 julho, 2014

Jenny Holzer, Xenon for Rio de Janeiro, 1999

04 julho, 2014

Ernst Ludwig Kirchner, Auto retrato, 1934-37

03 julho, 2014

Faz-se luz pelo processo
de eliminação de sombras
Ora as sombras existem
as sombras têm exaustiva vida própria
não dum e doutro lado da luz mas no próprio seio dela
intensamente amantes    loucamente amadas
e espalham pelo chão braços de luz cinzenta
que se introduzem pelo bico nos olhos do homem

Por outro lado a sombra dita a luz
não ilumina    realmente    os objectos
os objectos vivem às escuras
numa perpétua aurora surrealista
com a qual não podemos contactar
senão como amantes
de olhos fechados
e lâmpadas nos dedos    e na boca

Mário Cesariny, Pena Capital