Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras.
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
do escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora de seu tempo desejadas.
Ao longo do muro eram talhas de barro.
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que o mundo lá fora havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.
O que não está vivo, aduba.
O que está estático, espera.
Adélia Prado, Com Licença Poética
14 março, 2015
13 março, 2015
Hölderlin
Para onde irei eu?
Vivem os mortais
De soldo e trabalho;
Alternando em fadiga e repouso
Tudo se alegra; porque não dorme então
Nunca em meu peito o espinho?
Hölderlin, Poemas, trad. Paulo Quintela
Vivem os mortais
De soldo e trabalho;
Alternando em fadiga e repouso
Tudo se alegra; porque não dorme então
Nunca em meu peito o espinho?
Hölderlin, Poemas, trad. Paulo Quintela
10 março, 2015
E e E
One need not be a
chamber to be haunted.
Não precisamos de ser um quarto para se ser assombrado.
Emily Dickinson , trad. © Cristina Tavares, 2015
Ellsworth Kelly, Flower Drawing |
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E,
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Traduzir Emily
07 março, 2015
04 março, 2015
03 março, 2015
02 março, 2015
Ode a Walt Witman
(...)
E tu, belo Walt Witman, dorme nas margens do Hudson
com a barba virada ao pólo e as mãos abertas.
Argila branca ou neve, a tua língua chama
camaradas que velem tua gazela sem corpo.
Dorme,não fica nada.
Uma dança de muros agita as pradarias
e a América afoga-se em máquinas e pranto.
Quero que o ar forte da noite mais profunda
tire flores e letras do arco onde dormes
e um garoto negro anuncie aos brancos do oiro
a chegada do reino das espigas.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
E tu, belo Walt Witman, dorme nas margens do Hudson
com a barba virada ao pólo e as mãos abertas.
Argila branca ou neve, a tua língua chama
camaradas que velem tua gazela sem corpo.
Dorme,não fica nada.
Uma dança de muros agita as pradarias
e a América afoga-se em máquinas e pranto.
Quero que o ar forte da noite mais profunda
tire flores e letras do arco onde dormes
e um garoto negro anuncie aos brancos do oiro
a chegada do reino das espigas.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
01 março, 2015
28 fevereiro, 2015
Gazel da Morte Sombria
Quero dormir como dormem as maçãs,
afastar-me do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir como dorme o garoto
que queria cortar o coração no mar alto.
Não quero que me repitam que os mortos não perdem o sangue;
que a boca podre continua a pedir água.
Não quero saber dos martírios que dá a relva,
nem da lua com boca de serpente
trabalhando antes de amanhecer.
Quero dormir um instante,
um instante, um minuto, um século;
mas que saibam todos que não morri;
que sou o pequeno amigo do vento Oeste,
que sou a sombra imensa de minhas lágrimas.
Cobre-me com um véu pela aurora,
porque me arrojará punhados de formigas,
molha com água dura os meus sapatos
para que a pinça do seu lacrau resvale.
Quero dormir como dormem as maçãs,
aprender um pranto que me limpe a terra;
quero viver como o garoto sombrio
que no mar alto queria cortar o coração.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
afastar-me do tumulto dos cemitérios.
Quero dormir como dorme o garoto
que queria cortar o coração no mar alto.
Não quero que me repitam que os mortos não perdem o sangue;
que a boca podre continua a pedir água.
Não quero saber dos martírios que dá a relva,
nem da lua com boca de serpente
trabalhando antes de amanhecer.
Quero dormir um instante,
um instante, um minuto, um século;
mas que saibam todos que não morri;
que sou o pequeno amigo do vento Oeste,
que sou a sombra imensa de minhas lágrimas.
Cobre-me com um véu pela aurora,
porque me arrojará punhados de formigas,
molha com água dura os meus sapatos
para que a pinça do seu lacrau resvale.
Quero dormir como dormem as maçãs,
aprender um pranto que me limpe a terra;
quero viver como o garoto sombrio
que no mar alto queria cortar o coração.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
Dois marinheiros na margem
Trouxe no seu coração
um peixe do Mar da China.
Às vezes vê-se passar
diminutos nos seus olhos.
Esquece, sendo marinheiro
os bares e as laranjas.
Olha a água.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
um peixe do Mar da China.
Às vezes vê-se passar
diminutos nos seus olhos.
Esquece, sendo marinheiro
os bares e as laranjas.
Olha a água.
Federico Garcia Lorca, Poemas, trad. Eugénio de Andrade
27 fevereiro, 2015
21 fevereiro, 2015
Blaise Cendrars
Depois no fim dum número de dias muito comprido...
Tínhamos mudado de casa
E os poucos quartos do nosso pequeno apartamento
estavam cheios de móveis
Já não estávamos na nossa vivenda da costa
Ficava sozinho dias inteiros
Entre móveis empilhados
Podia mesmo quebrar a loiça
Rasgar os cadeirões
Partir o piano...
Depois no fim dum número de dias muito comprido
Veio uma carta de um dos meus tios
Foi a derrocada do Panamá que fez de mim um poeta!
Tínhamos mudado de casa
E os poucos quartos do nosso pequeno apartamento
estavam cheios de móveis
Já não estávamos na nossa vivenda da costa
Ficava sozinho dias inteiros
Entre móveis empilhados
Podia mesmo quebrar a loiça
Rasgar os cadeirões
Partir o piano...
Depois no fim dum número de dias muito comprido
Veio uma carta de um dos meus tios
Foi a derrocada do Panamá que fez de mim um poeta!
Blaise Cendrars, Poesia em Viagem, trad.Liberto Cruz
20 fevereiro, 2015
Philip Levine
Pequeno Villon
Diz-me ele que em Banguecoque o roubam
Por ser branco; em Londres porque é
preto;
Em Barcelona, judeu; em Paris, árabe:
Em todo o lado & a qualquer hora,
& ele defende-se.
Ergue sete dedos grossos e pequenos
Para me mostrar que vem em sétimo lugar
a nível mundial,
E não há qualquer paixão na sua voz, nem
raiva
No liso dos olhos castanhos raiados de
sangue.
Pede-me que lhe conte tudo o que me
lembrar
Do meu pai, seu tio; fala da guerra
No Norte de África e do que veio depois,
A perda do pai, a perda do irmão,
As montras da padaria partidas, e o pão
fresco
Polvilhado de vidro, o cheiro quente a
centeio,
Tão forte que ele comia até ficar com a
boca cheia de sangue.
Eles vivem aqui, vivem aqui e não morrem,
E aponta a cabeça negra sulcada
De anéis de cabelo preto. Toca-me o
cabelo,
Diz-me para nunca desprezar
As duras cerdas que protegem a cabeça do
lutador.
De dedos tristes, percorre-me a cara,
Como sou claro, diz-me, e macio.
Ficámos de pé até ao fim desta primeira
e última visita.
Duro, 50 quilos, um metro e meio,
Não era maior que uma rapariga,
agarra-me pelos ombros,
Beija-me na boca, os olhos ainda
abertos,
Meu irmão imaginário, meu primo,
Eu próprio de outra forma, por toda a
sua dor.
Philip Levine, Not This Pig, 1968
(Tradução de Hugo Pinto Santos)
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