Joan Mitchell, Helen Frankenthaler e Grace Hartigan, c.1960 |
02 novembro, 2015
01 novembro, 2015
Thomas e Hannah
31 outubro, 2015
injustificável alegria
Um dos textos mais
comoventes que conheço é a carta de Rosa de Luxemburgo escrita a uma amiga sua
quando estava na prisão de Breslavia, poucos meses antes da sua execução.
Trata-se de um extraordinário hino à vida. No meio daquele horror, sentindo
abater-se sobre ela toda a desolação e desconforto que podemos imaginar (ou que
nem podemos imaginar), Rosa de Luxemburgo não deixa de confiar na vida.
Mergulhada no escuro ela continua a sorrir. E quando se pergunta porquê, escreve isto: "não tenho razão
para esta injustificável alegria, nem sei de outro segredo senão a própria
vida. A profunda obscuridade da noite é bela e suave como um veludo para os que
aprendem a olhá-la".
José Tolentino Mendonça, CÃO CELESTE Nº 7
Lothar Reichel, c.1970 |
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30 outubro, 2015
Emily e Jackson
I
know nothing in the world that has as much power as a word. Sometimes I write
one, and I look at it, until it begins to shine.
Emily Dickinson
Jackson Pollock, Galaxy, 1947 |
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26 outubro, 2015
25 outubro, 2015
Ingeborg Bachmann
Por onde quer que nos voltemos na tempestade de rosas,
a noite ilumina-se de espinhos, e o trovão
da folhagem, antes tão leve nos arbustos,
segue-nos agora de perto.
Onde quer que se apague o incêndio das rosas,
a chuva inunda-nos o rio. Oh noite tão distante!
Mas uma folha que nos encontrou é levada pelas ondas
e segue-nos até à foz.
Ingeborg Bachmann, O Tempo Aprazado
a noite ilumina-se de espinhos, e o trovão
da folhagem, antes tão leve nos arbustos,
segue-nos agora de perto.
Onde quer que se apague o incêndio das rosas,
a chuva inunda-nos o rio. Oh noite tão distante!
Mas uma folha que nos encontrou é levada pelas ondas
e segue-nos até à foz.
Ingeborg Bachmann, O Tempo Aprazado
24 outubro, 2015
Sonhai, que sois sonhados.
António Cândido Franco, Arte de Sonhar
António Cândido Franco, Arte de Sonhar
Robert Rauschenberg, s/título, 1951 |
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23 outubro, 2015
azul-vermelho
Ninguém no caminho, e nada, nada a não ser amoras,
amoras dos dois lados, embora mais à direita,
uma álea de amoras, descendo em curvas fechadas, e um mar
algures, lá ao longe, arfando. Amoras
tão grandes como a cabeça do meu polegar, e mudas como olhos
negros nas sebes, repletas
de um suco azul-vermelho. Este desperdiça-se nos meus dedos.
Não pedira tal comunhão de sangue; devem amar-me.
Comprimem-se numa garrafa de leite, de encontro aos seus lados.
Sobre mim passam, com a sua cacofonia, os corvos em bandos negros,
pedaços de papel queimado oscilando num céu ventoso.
A sua voz é a única que está a protestar, a protestar.
Julgo que o mar não vai mesmo aparecer.
Os verdes e altos prados brilham como iluminados por dentro.
Chego a um arbusto de bagas tão maduras: é um arbusto de moscas,
suspendendo os seus abdómens azuis esverdeados e os vidrilhos alados de um biombo chinês.
O festim de mel das bagas surpreendeu-as; julgam-se no paraíso.
Para além de uma curva, as bagas e os arbustos acabam.
A única coisa que vem a seguir é o mar.
De entre duas colinas sopra contra mim um vento súbito,
sacudindo como fantasmas a sua roupa branca contra o meu rosto.
Estas colinas são demasiado verdes e suaves para terem saboreado o sal.
Sigo, entre elas, a vereda aberta pelas ovelhas. Uma última curva leva-me
até à face norte das colinas, e a face é uma rocha alaranjada
que olha para nada, nada a não ser uma grande extensão
de luzes brancas e cor de estanho e um ruído como o de um ourives
batendo sempre um metal rebelde.
Sylvia Plath, Pela Água, trad. Mª de Lourdes Guimarães
amoras dos dois lados, embora mais à direita,
uma álea de amoras, descendo em curvas fechadas, e um mar
algures, lá ao longe, arfando. Amoras
tão grandes como a cabeça do meu polegar, e mudas como olhos
negros nas sebes, repletas
de um suco azul-vermelho. Este desperdiça-se nos meus dedos.
Não pedira tal comunhão de sangue; devem amar-me.
Comprimem-se numa garrafa de leite, de encontro aos seus lados.
Sobre mim passam, com a sua cacofonia, os corvos em bandos negros,
pedaços de papel queimado oscilando num céu ventoso.
A sua voz é a única que está a protestar, a protestar.
Julgo que o mar não vai mesmo aparecer.
Os verdes e altos prados brilham como iluminados por dentro.
Chego a um arbusto de bagas tão maduras: é um arbusto de moscas,
suspendendo os seus abdómens azuis esverdeados e os vidrilhos alados de um biombo chinês.
O festim de mel das bagas surpreendeu-as; julgam-se no paraíso.
Para além de uma curva, as bagas e os arbustos acabam.
A única coisa que vem a seguir é o mar.
De entre duas colinas sopra contra mim um vento súbito,
sacudindo como fantasmas a sua roupa branca contra o meu rosto.
Estas colinas são demasiado verdes e suaves para terem saboreado o sal.
Sigo, entre elas, a vereda aberta pelas ovelhas. Uma última curva leva-me
até à face norte das colinas, e a face é uma rocha alaranjada
que olha para nada, nada a não ser uma grande extensão
de luzes brancas e cor de estanho e um ruído como o de um ourives
batendo sempre um metal rebelde.
Sylvia Plath, Pela Água, trad. Mª de Lourdes Guimarães
22 outubro, 2015
Sylvia Plath
Lá no alto, num ramo firme
arqueia-se uma gralha negra toda molhada
arranjando e voltando a arranjar as penas à chuva.
Não espero nada
que venha lançar fogo à paisagem
no interior dos meus olhos, nem procuro
mais no tempo inconstante qualquer desígnio,
mas deixo as folhas manchadas cair conforme caem,
sem cerimónia ou maravilha.
Embora - admito-o - deseje
ocasionalmente alguma resposta
do céu mudo, não posso honestamente queixar-me:
uma certa luz pode ainda
surgir incandescente
da mesa da cozinha ou da cadeira
como se um fogo celestial tornasse
seu, de um instante para o outro, os mais estranhos objectos,
assim consagrando um intervalo
de outro modo inconsequente
por nos dar grandeza e glória,
ou até amor. De qualquer modo, caminho agora
atenta (pois isso poderia acontecer
mesmo nesta paisagem triste e arruinada); descrente,
mas astuta, ignorante
de que um anjo se decida a resplandecer
repentinamente a meu lado. Apenas sei que uma gralha
ordenando as suas penas negras pode brilhar
de tal maneira que prenda a minha atenção, erga
as minhas pálpebras, e conceda
um breve repouso com medo
de uma neutralidade total. Com sorte,
viajando teimosamente por esta estação
de fadiga, acabarei
por juntar um conjunto
de coisas. Os milagres acontecem
se gostares de invocar aqueles espasmódicos
gestos de luminosos milagres. A espera recomeçou de novo,
a longa espera pelo anjo,
por essa rara, fortuita visita.
Sylvia Plath, Pela Água, trad. Mª de Lourdes Guimarães
arqueia-se uma gralha negra toda molhada
arranjando e voltando a arranjar as penas à chuva.
Não espero nada
que venha lançar fogo à paisagem
no interior dos meus olhos, nem procuro
mais no tempo inconstante qualquer desígnio,
mas deixo as folhas manchadas cair conforme caem,
sem cerimónia ou maravilha.
Embora - admito-o - deseje
ocasionalmente alguma resposta
do céu mudo, não posso honestamente queixar-me:
uma certa luz pode ainda
surgir incandescente
da mesa da cozinha ou da cadeira
como se um fogo celestial tornasse
seu, de um instante para o outro, os mais estranhos objectos,
assim consagrando um intervalo
de outro modo inconsequente
por nos dar grandeza e glória,
ou até amor. De qualquer modo, caminho agora
atenta (pois isso poderia acontecer
mesmo nesta paisagem triste e arruinada); descrente,
mas astuta, ignorante
de que um anjo se decida a resplandecer
repentinamente a meu lado. Apenas sei que uma gralha
ordenando as suas penas negras pode brilhar
de tal maneira que prenda a minha atenção, erga
as minhas pálpebras, e conceda
um breve repouso com medo
de uma neutralidade total. Com sorte,
viajando teimosamente por esta estação
de fadiga, acabarei
por juntar um conjunto
de coisas. Os milagres acontecem
se gostares de invocar aqueles espasmódicos
gestos de luminosos milagres. A espera recomeçou de novo,
a longa espera pelo anjo,
por essa rara, fortuita visita.
Sylvia Plath, Pela Água, trad. Mª de Lourdes Guimarães
19 outubro, 2015
Gabriela e Eugène
Soube, então,
Margarida, que não te podia escrever mas jurei enterrar as minhas cartas junto
à raiz das roseiras porque «pelas raízes das roseiras», segundo um do segredos
de Alice, «passa o mensageiro».
Maria Gabriela Llansol, Na Casa de Julho e Agosto
Mathias Schaller, Paleta de Eugène Delacroix |
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18 outubro, 2015
Johannes e José
O poema começa onde acaba o
interessante, a superficialidade.
Johannes Bobrowski, prefácio de Como um respirar
José Augusto Castro |
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17 outubro, 2015
Paul e Bertrand
16 outubro, 2015
Ossip e August
É húmido e sonoro o ar sombrio;
Não há medo no bosque apaziguante.
A leve cruz dos passeios sozinho
Submisso carrego novamente.
Não há medo no bosque apaziguante.
A leve cruz dos passeios sozinho
Submisso carrego novamente.
De novo para a terra em letargia
A queixa voará, qual pato bravo,
Participo de uma vida sombria
Onde todos estão sós lado a lado!
A queixa voará, qual pato bravo,
Participo de uma vida sombria
Onde todos estão sós lado a lado!
Um tiro. Sobre o lago adormecido
Pesadas se tornam as asas dos patos.
Pela sua vida dupla, reflectida,
Os pinheiros tornam-se assombrados.
Pesadas se tornam as asas dos patos.
Pela sua vida dupla, reflectida,
Os pinheiros tornam-se assombrados.
Em reflexo estranho o céu brumoso -
A turva dor universal, ali -
Permite-me também ser nebuloso,
Permite-me que não te ame, a ti.
A turva dor universal, ali -
Permite-me também ser nebuloso,
Permite-me que não te ame, a ti.
Ossip
Mandelstam, Guarda a Minha Fala Para Sempre
August Sander, Two Young Farmers, 1914 |
14 outubro, 2015
13 outubro, 2015
12 outubro, 2015
11 outubro, 2015
Margaret Bourke-White
10 outubro, 2015
08 outubro, 2015
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