23 outubro, 2015

azul-vermelho

Ninguém no caminho, e nada, nada a não ser amoras,
amoras dos dois lados, embora mais à direita,
uma álea de amoras, descendo em curvas fechadas, e um mar
algures, lá ao longe, arfando. Amoras
tão grandes como a cabeça do meu polegar, e mudas como olhos
negros nas sebes, repletas
de um suco azul-vermelho. Este desperdiça-se nos meus dedos.

Não pedira tal comunhão de sangue; devem amar-me.
Comprimem-se numa garrafa de leite, de encontro aos seus lados.

Sobre mim passam, com a sua cacofonia, os corvos em bandos negros,
pedaços de papel queimado oscilando num céu ventoso.
A sua voz é a única que está a protestar, a protestar.
Julgo que o mar não vai mesmo aparecer.
        Os verdes e altos prados brilham como iluminados por dentro.
     Chego a um arbusto de bagas tão maduras: é um arbusto de moscas,
suspendendo os seus abdómens azuis esverdeados e os vidrilhos alados de um biombo chinês.
O festim de mel das bagas surpreendeu-as; julgam-se no paraíso.
Para além de uma curva, as bagas e os arbustos acabam.

A única coisa que vem a seguir é o mar.
De entre duas colinas sopra contra mim um vento súbito,
sacudindo como fantasmas a sua roupa branca contra o meu rosto.
Estas colinas são demasiado verdes e suaves para terem saboreado o sal.
Sigo, entre elas, a vereda aberta pelas ovelhas. Uma última curva leva-me
até à face norte das colinas, e a face é uma rocha alaranjada
que olha para nada, nada a não ser uma grande extensão
de luzes brancas e cor de estanho e um ruído como o de um ourives
batendo sempre um metal rebelde.

Sylvia Plath, Pela Águatrad. Mª de Lourdes Guimarães 

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