(No dia em que se completam 140 anos sobre o nascimento de Rainer Maria Rilke)
Como reconhecer ainda
o que foi o áureo da vida?
Talvez contemplando, na palma
da mão, os arabescos
dessas linhas, dessas rugas
que apertamos com tanta garra
quando no vazio fechamos
a própria mão sobre um nada.
Rainer Maria Rilke, Frutos e Apontamentos (trad. Maria Gabriela Llansol)
04 dezembro, 2015
03 dezembro, 2015
Rilke
Por vezes os amantes, ou aqueles que escrevem,
encontram palavras que, mesmo que se desvaneçam,
deixam no coração um lugar feliz -
e um rasto de pensamento para sempre...
Porque, sob o que se passa, nascem
constâncias invisíveis;
sem que abram qualquer trilho,
algumas tornam-se estribilhos de dança.
Rainer Maria Rilke, Frutos e Apontamentos (trad. Maria Gabriela Llansol)
encontram palavras que, mesmo que se desvaneçam,
deixam no coração um lugar feliz -
e um rasto de pensamento para sempre...
Porque, sob o que se passa, nascem
constâncias invisíveis;
sem que abram qualquer trilho,
algumas tornam-se estribilhos de dança.
Rainer Maria Rilke, Frutos e Apontamentos (trad. Maria Gabriela Llansol)
com a candura de um operário celeste
Não te movas se, de repente,
o Anjo se senta, à tua mesa;
alisa, com vagar, os breves vincos
que a toalha faz, debaixo do teu pão.
Convida-o para a modesta refeição,
que também ele lhe saboreie o gosto,
e possa levar aos lábios impolutos
um pobre copo de uso quotidiano.
Olha em redor, cheio de atenção serena,
com a candura de um operário celeste.
Come como se deve, imitando-te os gestos,
para - como convém - , te construir a casa.
Rainer Maria Rilke, Frutos e Apontamentos (trad. Maria Gabriela Llansol)
o Anjo se senta, à tua mesa;
alisa, com vagar, os breves vincos
que a toalha faz, debaixo do teu pão.
Convida-o para a modesta refeição,
que também ele lhe saboreie o gosto,
e possa levar aos lábios impolutos
um pobre copo de uso quotidiano.
Olha em redor, cheio de atenção serena,
com a candura de um operário celeste.
Come como se deve, imitando-te os gestos,
para - como convém - , te construir a casa.
Rainer Maria Rilke, Frutos e Apontamentos (trad. Maria Gabriela Llansol)
02 dezembro, 2015
Alexandre O'Neill
Espeta-te com o garfo.
Corta-te com a faca.
Deita-te no prato.
Espera.
Corta-te com a faca.
Deita-te no prato.
Espera.
Alexandre O'Neill, Anos 70: Poemas Dispersos
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01 dezembro, 2015
30 novembro, 2015
29 novembro, 2015
as palavras milagrosas
Nesse tempo eu era hóspede da terra.
Deram-me no baptismo o nome – Anna,
O mais doce para os lábios e os ouvidos
das pessoas.
Assim fascinada conhecia a alegria
terrestre
E contava festas não por doze,
Mas por tantos quantos dias no ano
havia.
Obediente a uma imposição misteriosa,
Tendo escolhido um livre companheiro,
Eu amava somente o sol e as árvores.
Certo dia encontrei num verão tardio
Uma estrangeira na hora enleadora da
madrugada
E ambas nos banhávamos num mar cálido.
Parecia-me estranha a sua roupa,
Mais estranhos – os lábios, e as
palavras –
Como estrelas caíam numa noite de
setembro.
E esguia, ela ensinava-me a nadar
Com a sua mão apoiando-me o corpo
Inexperiente nas ondas firmes.
E várias vezes, de pé na água azul,
Ela comigo falava,
E parecia-me que os cimos do bosque
Rumorejam, ou a areia crepita,
Ou com voz de prata a volinka
Ao longe canta a noite das despedidas.
Mas eu não conseguia fixar as suas
palavras
E muitas vezes acordava alta noite com
uma dor.
Apetecia-me a boca meio aberta,
Os seus olhos e o penteado liso.
Como a celeste mensageiro, implorava
Então à melancólica rapariga:
«Diz-me, diz-me, para quê se apagou a
memória
E, com tal tormento acariciando os
ouvidos,
Tiraste o deleite da repetição?.»
E apenas uma vez, quando eu colhia
Uvas para um pequeno cesto entrançado,
E a morena estava sentada na relva,
Os olhos fechados e as tranças soltas,
E lânguida e quebrantada
Pelo cheiro dos pesados bagos azul
ferrete
E pelo respirar mordente da hortelã, -
Colocou as palavras milagrosas
No tesouro da minha memória.
E deixei cair o cesto cheio,
Colei-me contra a terra seca e abafada,
Como contra o amigo, quando o amor
canta.
(Outono 1913)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
28 novembro, 2015
Uma pequena palha
Nariz e lábios de Akhenaten, 18ª dinastia, Egipto |
SOMBRA
Sempre mais elegante, mais rosada, mais alta que todas,
Para que vens ao de cima do fundo dos anos tombados
E a memória rapace diante mim faz tremular
O teu perfil transparente por trás dos vidros do coche?
Como se discutia nessa altura - tu, anjo ou pássaro!
Uma pequena palha te chamou o poeta.
Para todos por igual através das negras pestanas
Dos olhos em abismo fluía a terna luz.
Oh sombra! Perdoa-me, mas o tempo claro,
Flaubert, a insónia e os lilases tardios
De ti - bela de 1913 -
E do teu dia indiferente e sem nuvens
Me fizeram lembrar... Mas tais recordações
A mim não me ficam bem. Oh sombra!
(9 de Agosto de 1940. De noite.)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
1940
AOS HABITANTES DE LONDRES
O vigésimo quarto drama de Shakespeare
Escreve-o o tempo com mão impassível.
Próprios participantes do terrível banquete,
É melhor Lear, Hamlet, César
Lermos sobre o rio de chumbo;
Hoje é melhor a pobre pomba Julieta
Com cânticos e tochas levar ao caixão,
É melhor espreitar as janelas de Macbeth,
Tremer com o assassino pago, -
Este, contudo, não, este não, este não,
Este já não conseguimos ter forças para ler.
(1940)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
O vigésimo quarto drama de Shakespeare
Escreve-o o tempo com mão impassível.
Próprios participantes do terrível banquete,
É melhor Lear, Hamlet, César
Lermos sobre o rio de chumbo;
Hoje é melhor a pobre pomba Julieta
Com cânticos e tochas levar ao caixão,
É melhor espreitar as janelas de Macbeth,
Tremer com o assassino pago, -
Este, contudo, não, este não, este não,
Este já não conseguimos ter forças para ler.
(1940)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
Anna Akhmatova
Perdoar-me-ás esses dias de Novembro?
Nos canais que vão ao Neva tremulam as luzes.
Do trágico outono são pobres os esplendores.
(Novembro de 1913, S. Petersburgo)
Acordar de madrugada
Pois a alegria sufoca,
E olhar pela vigia
Para as vagas de cor verde,
Ou no convés com mau tempo
Gasalhada em brandas peles,
Ouvir o bater da máquina,
E não pensar em nada,
Mas, pressentindo o encontro
Com esse que se tornou minha estrela,
Pelas gotas salgadas e o vento
Em cada hora rejuvenescer.
(Julho de 1917, Slepnevo)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
Nos canais que vão ao Neva tremulam as luzes.
Do trágico outono são pobres os esplendores.
(Novembro de 1913, S. Petersburgo)
´´´´´´´
Pois a alegria sufoca,
E olhar pela vigia
Para as vagas de cor verde,
Ou no convés com mau tempo
Gasalhada em brandas peles,
Ouvir o bater da máquina,
E não pensar em nada,
Mas, pressentindo o encontro
Com esse que se tornou minha estrela,
Pelas gotas salgadas e o vento
Em cada hora rejuvenescer.
(Julho de 1917, Slepnevo)
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27 novembro, 2015
25 novembro, 2015
Marina Tsvetáeva
Não verás a visita da noite...
Para sempre, perdoa e adormece
No abrigo a toda a prova
Daquesta luz impossível.
Mas se - não julgues que te ilude
O ouvido! - a que te ama -
Se apartar um pouco, se a noite
For pranto, e a cítara - for peito...
Isso é o meu amante, de louros
Na fronte, que virou os cavalos para fora
Da liça. São ciúmes de Deus
Pela sua favorita.
Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)
Para sempre, perdoa e adormece
No abrigo a toda a prova
Daquesta luz impossível.
Mas se - não julgues que te ilude
O ouvido! - a que te ama -
Se apartar um pouco, se a noite
For pranto, e a cítara - for peito...
Isso é o meu amante, de louros
Na fronte, que virou os cavalos para fora
Da liça. São ciúmes de Deus
Pela sua favorita.
Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)
24 novembro, 2015
Marina Tsvetáeva
Para não me veres -
Na vida - cinjo-me da cerca
Invisível e penetrante.
Cinjo-me da madressilva,
Cubro-me do algodão da geada.
Para não me ouvires
Na noite - com manha de velha
Me dissimulo - e me protejo.
Cinjo-me do restolhar,
Cubro-me de ramagens.
Para que não floresças muito
Em mim - nos silvados: enterro-me
Nos livros ainda em vida:
Cinjo-te de fantasias,
Cubro-te de ilusões.
Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)
Na vida - cinjo-me da cerca
Invisível e penetrante.
Cinjo-me da madressilva,
Cubro-me do algodão da geada.
Para não me ouvires
Na noite - com manha de velha
Me dissimulo - e me protejo.
Cinjo-me do restolhar,
Cubro-me de ramagens.
Para que não floresças muito
Em mim - nos silvados: enterro-me
Nos livros ainda em vida:
Cinjo-te de fantasias,
Cubro-te de ilusões.
Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)
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22 novembro, 2015
21 novembro, 2015
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