13 julho, 2016

Daniel e Tacita (um oxigénio difícil)

Falo daquilo que vejo, embora possas pensar que sou cego
seguindo as mãos - sim, toco as palavras nas suas superfícies 
e utensílios.

A primeira palavra que os olhos viram, agora que a recordo,
parecia uma imagem - sim, um som desenhado como um fóssil
(falo de fóssil, mesmo
que ele demore a aparecer no que digo),
um som do tamanho de um azulejo; agora que me lembro que era uma palavra

que brilhava nos meus olhos ao vê-la
(ver uma palavra era uma planta muito diferente,
um oxigénio muito difícil de se respirar).

Sim, agora vejo que falo, embora possas pensar que sigo pelo tacto a escrita.
Sim, eu leio e decifro. E agora sei que oiço as coisas devagar.


Daniel Faria, Poesia



Tacita Dean, detail from Sunset, 2015

12 julho, 2016

Daniel Faria

Houvesse um sinal a conduzir-nos
E unicamente ao movimento de crescer nos guiasse. Temos das árvores
A incomparável paciência de procurar o alto
a verde bondade de permanecer
E orientar os pássaros

Daniel Faria, Poesia

11 julho, 2016

Daniel Faria

Repito a corrida na memória quando estou parado
Penso velozmente que o amor, como Dante disse, é um estado
De locomoção. É um motor. E fico a trabalhar no mecanismo secreto
Do amor.

Daniel Faria, Poesia


10 julho, 2016

Objectos nº4



 FMG, Objectos nº4 - Lomoprint, 2016

















09 julho, 2016

Alejandra

William Klein, Girl dancing in Brooklyn, NY, 1955





















para lá de qualquer zona proibida
há um espelho para a nossa triste transparência


Alejandra Pizarnik



08 julho, 2016

André Kertész, Elisabeth and me, Paris, 1931
Not why. Just here.

John Cage

07 julho, 2016

Caravaggio e Ana Cristina

Caravaggio, The Incredulity of Saint Thomas, c.1600-1602




















olho muito tempo o corpo de um poema 
até perder de vista o que não seja corpo 
e sentir separado dentre os dentes 
um filete de sangue 
nas gengivas 

Ana Cristina César, Cenas de Abril


06 julho, 2016

alice no ar

 CT, alice no ar, julho 2016


















Olhe as ervas em volta. Sobre esse talude. Todas as ervas em volta se juntarão para te falar e responder. O mundo em boa verdade acaba de chegar.

Valère Novarina,Sud-Express Poesia Francesa Hoje

05 julho, 2016

Alejandra, Federico e Isabel

Recuerdo mi niñez
cuando yo era una anciana
Las flores morían en mis manos
porque la danza salvaje de la alegría
les destruía el corazón

Recuerdo las negras mañanas del sol
cuando era niña 
es decir ayer
es decir hace siglos


Alejandra Pizarnik

Federico Garcia Lorca e sua irmã Isabel, 1914

03 julho, 2016

Ana Cristina e Willem



Eu não sabia

que virar pelo avesso

era uma experiência mortal




Ana Cristina César


Willem de Kooning, Two Figures in a Landscape, 1967

02 julho, 2016

Ana Cristina e Robert

Estou atrás

do despojamento mais inteiro
da simplicidade mais erma
da palavra mais recém-nascida
do inteiro mais despojado
do ermo mais simples
do nascimento a mais da palavra

Ana Cristina César

Robert Frank,
US 90, On the road to Del Rio, 1955



27 junho, 2016

anjo de mãos pequenas


tu estás do meu lado
a noite inteira, anjo de mãos pequenas
nos despenhadeiros da terra

esta estrada não nos levará muito longe
mas sim eu serei o teu amigo
até ao fim


Rui Pires Cabral, Morada

CT, Blue Velvet, 2016

25 junho, 2016

Antigone Kourakou

Antigone Kourakou

(A)braço


o que se consegue
quando se desenha
um braço?


a terrível velocidade da luz 
imobiliza-se 
sobre a pele.


silêncio
quase.



CT, junho 2016




21 junho, 2016

Imogen Cunningham

Imogen Cunningham, Self portrait in a broken mirror, 1973

20 junho, 2016

a que ama o vento



Eu não sei de pássaros
não conheço a história do fogo.
Mas julgo que a minha solidão deveria ter asas.

Alejandra Pizarnik, Antologia Poética



Anna & Elena Balbusso,
ilustração para Burning Girls, de Veronica Shanoes





























Salta com a camisa em chamas
de estrela em estrela,
de sombra em sombra.
Morre de morte longínqua
a que ama ao vento.

Alejandra Pizarnik, Antologia Poética




19 junho, 2016

H + M


Ninguém acrescentará ou diminuirá a minha força ou a minha fraqueza. Um autor está entregue a sim mesmo, corre os seus (e apenas os seus) riscos. O fim da aventura criadora é sempre a derrota irrevogável, secreta.
Mas é forçoso criar. Para morrer nisso e disso. Os outros podem acompanhar com atenção a nossa morte. Obrigado por acompanharem a minha morte.


Herberto Helder, Photomaton & Vox

Marlene Dumas, 1990

18 junho, 2016

R + J

O essencial é ter o vento.

Reinaldo Ferreira

Joan Mitchell, 1957

15 junho, 2016

for Angela

André Kertész