Deborah Roberts, Head Nods and Handshakes, 2019 |
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14 outubro, 2020
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08 outubro, 2020
Louise Glück - Averno
AVERNO
Averno. Antigo nome, Avernus. Um pequeno lago numa cratera, dez milhas a ocidente de Nápoles, em Itália; considerado pelos romanos como a entrada para o submundo.
.
.
Morres quando o teu espírito morre.
De outro modo, vives.
Podes não fazer grande coisa disso, mas continuas –
algo para que não tens escolha.
Quando digo isto aos meus filhos
não prestam atenção.
Os velhos, pensam eles –
é isto que fazem sempre:
falam de coisas que ninguém consegue ver
para encobrirem as células cerebrais que estão a perder.
Piscam o olho uns aos outros:
ouçam lá o velho, falando do espírito
porque já não consegue lembrar-se da palavra cadeira.
É terrível estar só.
Não quero dizer viver sozinho –
Estar só, onde ninguém nos ouve.
Eu lembro-me da palavra cadeira.
Apetece-me dizer-lhes – só que já não estou interessado.
Acordo a pensar
tens de te preparar
Em breve o espírito desistirá -
nem as cadeiras todas do mundo te ajudarão.
trad. de José Sá e Cristina Tavares
31 julho, 2020
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09 julho, 2020
08 julho, 2020
01 maio, 2020
TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 27 Nícolas Guillén
CHEGADA
Aqui estamos!
A palavra vem-nos húmida dos bosques,
e um sol enérgico amanhece-nos entre as veias.
O punho é forte,
e segura o remo.
A palavra vem-nos húmida dos bosques,
e um sol enérgico amanhece-nos entre as veias.
O punho é forte,
e segura o remo.
No olho fundo dormem palmeiras exorbitantes,
e o grito sai-nos como uma gota de ouro virgem.
O nosso pé,
duro e largo,
esmaga o pó nos caminhos abandonados
e estreitos para as nossas filas.
Sabemos onde nascem as águas,
e amamo-las porque empurraram as nossas canoas sob os céus vermelhos.
O nosso canto é como um músculo debaixo da pele da alma,
nosso singelo canto.
e o grito sai-nos como uma gota de ouro virgem.
O nosso pé,
duro e largo,
esmaga o pó nos caminhos abandonados
e estreitos para as nossas filas.
Sabemos onde nascem as águas,
e amamo-las porque empurraram as nossas canoas sob os céus vermelhos.
O nosso canto é como um músculo debaixo da pele da alma,
nosso singelo canto.
Trazemos o fumo na manhã,
e o fogo sobre a noite,
e a faca, como um duro pedaço de lua,
apto para as peles bárbaras;
trazemos os jacarés na lama,
e o arco que dispara os nossos desejos,
e o cinturão do trópico,
e o espírito limpo.
e o fogo sobre a noite,
e a faca, como um duro pedaço de lua,
apto para as peles bárbaras;
trazemos os jacarés na lama,
e o arco que dispara os nossos desejos,
e o cinturão do trópico,
e o espírito limpo.
Eh companheiros, aqui estamos!
A cidade espera-nos com os seus palácios, ténues
como os favos de abelhas silvestres;
as suas ruas estão secas como os rios quando não chove na montanha,
e as suas casas fitam-nos com os olhos ávidos das janelas.
Os homens antigos nos darão leite e mel,
e nos coroarão de folhas verdes.
A cidade espera-nos com os seus palácios, ténues
como os favos de abelhas silvestres;
as suas ruas estão secas como os rios quando não chove na montanha,
e as suas casas fitam-nos com os olhos ávidos das janelas.
Os homens antigos nos darão leite e mel,
e nos coroarão de folhas verdes.
Eh, companheiros, aqui estamos!
debaixo do sol
a nossa pele suada reflectirá os rostos húmidos dos vencidos,
e na noite, enquanto os astros arderem na ponta das nossas chamas,
o nosso riso madrugará sobre os rios e os pássaros.
.
.
........
.
.
MULHER NOVA
Com o círculo equatorial
apertado à cintura como a um pequeno mundo
a negra, mulher nova,
avança no seu leve vestido de serpente.
debaixo do sol
a nossa pele suada reflectirá os rostos húmidos dos vencidos,
e na noite, enquanto os astros arderem na ponta das nossas chamas,
o nosso riso madrugará sobre os rios e os pássaros.
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........
.
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MULHER NOVA
Com o círculo equatorial
apertado à cintura como a um pequeno mundo
a negra, mulher nova,
avança no seu leve vestido de serpente.
Coroada de palmas,
como uma deusa recém-chegada,
ela traz a palavra inédita,
a anca forte,
a voz, o dente, a manhã e o salto.
como uma deusa recém-chegada,
ela traz a palavra inédita,
a anca forte,
a voz, o dente, a manhã e o salto.
Jorro de sangue jovem
sob um pedaço de pele fresca,
e o pé incansável
para a pista profunda do tambor.
sob um pedaço de pele fresca,
e o pé incansável
para a pista profunda do tambor.
Nícolas Guillén (Cuba, 1902-1989)
trad. Cristina Tavares /José Pinto de Sá
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Nícolas Guillén,
TRADUÇÕES DA QUARENTENA
TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 26 Kate Tempest
NOVÍSSIMOS ANCIÃOS
Antigamente
os mitos eram as estórias que usávamos para nos explicarmos,
mas como podemos explicar
a forma como nos odiamos,
as coisas em que nos transformámos,
a forma como nos partimos em dois,
a forma como nos sobrecomplicamos?
Mas ainda somos míticos.
Ainda estamos em permanência presos
algures entre o heróico e o desprezível.
Ainda somos Devotos,
é isso que nos tornou tão monstruosos.
Parece que nos esquecemos
que somos muito mais
que a soma das coisas que nos pertencem.
Cada pessoa tem em si uma intenção a arder.
Olha de novo.
Permite-te vê-los.
Milhões de personagens
Cada um com as suas narrativas épicas
Cantando, “é duro ser anjo
Até teres sido demónio”.
Somos perfeitos por causa das nossas imperfeições,
Temos de manter a esperança
Temos de ser pacientes:
Quando escavarem o nosso tempo
hão de encontrar-nos,
os Novíssimos Anciãos.
Tudo o que aqui temos
é tudo o que sempre tivemos.
Temos ciúme,
ternura,
blasfémias e dádivas.
Mas a condição de um povo que esqueceu os seus mitos
e imagina que de algum modo
o Agora é tudo o que existe
– é uma triste condição,
toda ela isolação e tormento.
Mas a vida nas tuas veias
é Divina, heróica.
Nasceste para a grandeza.
Acredita nisso,
sabe-o,
colhe-o nas lágrimas dos poetas.
Sempre houve heróis,
sempre houve vilões,
as apostas podem ter mudado
mas realmente não há diferença.
Sempre houve cobiça,
e mágoa, e ambição.
Ciúme, amor,
delito e contrição.
Somos os mesmos seres que começaram,
ainda vivendo
em toda a nossa fúria e baixeza e conflito.
Odisseias quotidianas.
Sonhos versus decisões.
As estórias estão aí, se as ouvires.
Somos nós as estórias.
És tu as estórias.
E o teu medo e a tua esperança são tão velhos
como a linguagem do fumo,
a linguagem do sangue,
a linguagem do amor langoroso,
Os Deuses estão aqui todos.
Porque os Deuses estão em nós.
[…]
Kate Tempest (Inglaterra, 1985 - )
os mitos eram as estórias que usávamos para nos explicarmos,
mas como podemos explicar
a forma como nos odiamos,
as coisas em que nos transformámos,
a forma como nos partimos em dois,
a forma como nos sobrecomplicamos?
Mas ainda somos míticos.
Ainda estamos em permanência presos
algures entre o heróico e o desprezível.
Ainda somos Devotos,
é isso que nos tornou tão monstruosos.
Parece que nos esquecemos
que somos muito mais
que a soma das coisas que nos pertencem.
Cada pessoa tem em si uma intenção a arder.
Olha de novo.
Permite-te vê-los.
Milhões de personagens
Cada um com as suas narrativas épicas
Cantando, “é duro ser anjo
Até teres sido demónio”.
Somos perfeitos por causa das nossas imperfeições,
Temos de manter a esperança
Temos de ser pacientes:
Quando escavarem o nosso tempo
hão de encontrar-nos,
os Novíssimos Anciãos.
Tudo o que aqui temos
é tudo o que sempre tivemos.
Temos ciúme,
ternura,
blasfémias e dádivas.
Mas a condição de um povo que esqueceu os seus mitos
e imagina que de algum modo
o Agora é tudo o que existe
– é uma triste condição,
toda ela isolação e tormento.
Mas a vida nas tuas veias
é Divina, heróica.
Nasceste para a grandeza.
Acredita nisso,
sabe-o,
colhe-o nas lágrimas dos poetas.
Sempre houve heróis,
sempre houve vilões,
as apostas podem ter mudado
mas realmente não há diferença.
Sempre houve cobiça,
e mágoa, e ambição.
Ciúme, amor,
delito e contrição.
Somos os mesmos seres que começaram,
ainda vivendo
em toda a nossa fúria e baixeza e conflito.
Odisseias quotidianas.
Sonhos versus decisões.
As estórias estão aí, se as ouvires.
Somos nós as estórias.
És tu as estórias.
E o teu medo e a tua esperança são tão velhos
como a linguagem do fumo,
a linguagem do sangue,
a linguagem do amor langoroso,
Os Deuses estão aqui todos.
Porque os Deuses estão em nós.
[…]
Kate Tempest (Inglaterra, 1985 - )
trad. Cristina Tavares /José Pinto de Sá
TRADUÇÕES DA QUARENTENA - 25 André Breton
GUERRA
Olho a Fera enquanto ela se lambe
Para melhor se confundir com tudo o que a rodeia
Os seus olhos cor de vaga
Inesperadamente são o charco atraindo a si a roupa suja os detritos
Aquele que detém sempre o homem
O charco com a sua pequena Praça da Ópera no ventre
Porque a fosforescência é a chave dos olhos da Fera
Que se lambe
E a sua língua
Lançada nunca se sabe antecipadamente para onde
É uma encruzilhada de fornalhas
De baixo eu contemplo o seu palato
Feito de lâmpadas dentro de sacos
E sob a abóbada azul real
De arcos desdourados em perspetiva um no outro
Enquanto corre o sopro feito da generalização ao infinito daquele desses miseráveis de tronco nu que se exibem na praça pública engolindo archotes com petróleo numa chuva ácida de vinténs
As pústulas da Fera resplandecem dessas hecatombes de jovens de que se empanturra o Número
Os flancos protegidos pelas cintilantes escamas que são os exércitos
Convexos dos quais cada um gira perfeitamente na sua charneira
Embora dependam uns dos outros não menos que os galos que se insultam ao alvorecer de estrumeira a estrumeira
Toca-se na falta de consciência no entanto alguns insistem em sustentar que o dia vai nascer
A porta eu queria dizer a Fera lambe-se debaixo da asa
E vê-se será de rir convulsionarem-se gatunos ao fundo de uma taberna
Essa miragem de que tínhamos feito a bondade pondera-se
É um jazigo de mercúrio
Isso podia bem sorver-se de uma só vez
Acreditei que a Fera se voltava para mim revi a sujidade do relâmpago
Para melhor se confundir com tudo o que a rodeia
Os seus olhos cor de vaga
Inesperadamente são o charco atraindo a si a roupa suja os detritos
Aquele que detém sempre o homem
O charco com a sua pequena Praça da Ópera no ventre
Porque a fosforescência é a chave dos olhos da Fera
Que se lambe
E a sua língua
Lançada nunca se sabe antecipadamente para onde
É uma encruzilhada de fornalhas
De baixo eu contemplo o seu palato
Feito de lâmpadas dentro de sacos
E sob a abóbada azul real
De arcos desdourados em perspetiva um no outro
Enquanto corre o sopro feito da generalização ao infinito daquele desses miseráveis de tronco nu que se exibem na praça pública engolindo archotes com petróleo numa chuva ácida de vinténs
As pústulas da Fera resplandecem dessas hecatombes de jovens de que se empanturra o Número
Os flancos protegidos pelas cintilantes escamas que são os exércitos
Convexos dos quais cada um gira perfeitamente na sua charneira
Embora dependam uns dos outros não menos que os galos que se insultam ao alvorecer de estrumeira a estrumeira
Toca-se na falta de consciência no entanto alguns insistem em sustentar que o dia vai nascer
A porta eu queria dizer a Fera lambe-se debaixo da asa
E vê-se será de rir convulsionarem-se gatunos ao fundo de uma taberna
Essa miragem de que tínhamos feito a bondade pondera-se
É um jazigo de mercúrio
Isso podia bem sorver-se de uma só vez
Acreditei que a Fera se voltava para mim revi a sujidade do relâmpago
André Breton (França, 1896-1966)
trad. Cristina Tavares /José Pinto de Sá
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