03 janeiro, 2014


Edouard Vuillard
Edouard Vuillard no atelier










"Common friendships can be shared. In one friend one can love beauty; in another, affability; in another, generosity; in another, a fatherly affection; in another a brotherly one; and so on. But this frienship love takes possession of the soul and reigns there with full sovereign sway: that cannot possibly be duplicated. If two friends asked you to help them at the same time, witch of them would you dash to? If they asked for conflicting flavours who would have the priority? If one entrusted to your silence something which it was useful for the other  to know, how would you get out of that? The unique, highest friendship loosens all other bonds. That secret witch I have sworn to reveal to no other, I can reveal without perjury to him who is not another: he is me. It is a great enough miracle for oneself to be redoubled (...)"


"For the perfect friendship which I am talking about is indivisible: each gives himself so entirely to his friend that he has nothing left to share with another."

Michel de Montaigne, "On Friendship", (1580 )


Ker-Xavier Roussel, Edouard Vuillard, Romain Coolus, Félix Vallotton; 1899
NABIS

02 janeiro, 2014

Félix Vallotton, "Sleeping Woman", 1899

01 janeiro, 2014



















"Sleeping Head", CT, 2013
THE SLEEPING HEAD
CT, 2013



"Sleeping Head", CT, 2013

"Sleeping Head", CT, 2013




















"Sleeping Head, CT, 2013
"Sleeping Head", CT, 2013




31 dezembro, 2013

 CT, 2013
 jacintos de dezembro (da série desenhos de maio)




"but tell me who will put flowers
on a flower's grave?"
Tom Waits

CT,2013, jacintos de dezembro (da série desenhos de maio)


30 dezembro, 2013

Al Berto

E ao anoitecer
adquires nome de ilha ou de vulcão
deixas viver sobre a pele uma criança de lume 
e na fria lava da noite ensinas ao corpo
a paciência o amor o abandono das palavras
o silêncio
e a difícil arte da melancolia 

Al Berto




























ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tua morte 

vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tão vasta quanto a noite

deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertigem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coração - ouve-me

que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - o mar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite

não esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - não esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
Cada vez escrevo / produzo menos, mas o pouco que produzo requer tempo. Requer toda a minha disponibilidade, toda a minha paixão. Não posso continuar com coisas exteriores à minha escrita a perturbarem-me. Tenho de avançar rapidamente com o projecto que me obceca há muito. O tempo faz-se escasso.
Faz um frio de partir os ossos. Os dias cheios dum sol espantoso, uma limpidez que se vê a costa até ao Cabo Sardão. Às vezes desejaria ter sido pastor, homem transumante. Ir e regressar, com o sol e com as chuvas, ir e regressar sempre com o ciclo das estações…
Fiz 36 anos, hoje, acabaram-se para sempre algumas coisas, outras iniciam-se agora, só a juventude não se recomeça nem tem início hoje… Tenho de começar a habituar-me à grande desolação dos dias, sempre mais vazios, sem ninguém, porque assim o quis.
A partir de hoje tenho o tempo todo para escrever, para não fazer nada, envelhecerei calmamente. Tenho a certeza. Não há tempo, ainda bem!


Al Berto, "Diários"

(para a escrita de f)

29 dezembro, 2013

Homens que são como lugares mal situados
Homens que são como casas saqueadas
Que são como sítios fora dos mapas
Como pedras fora do chão
como crianças órfãs
Homens agitados sem bússola onde repousem

Homens que são como fronteiras invadidas
Que são como caminhos barricados
Homens que querem passar pelos atalhos sufocados
Homens sulfatados por todos os destinos
Desempregados das suas vidas

Homens que são como a negação das estratégias
Que são como os esconderijos dos contrabandistas
Homens encarcerados abrindo-se com facas

Homens que são como danos irreparáveis
Homens que são sobreviventes vivos
Homens que são sítios desviados
do lugar

Daniel Faria, "Poesia"

28 dezembro, 2013

A fisionomia, o carinho das coisas impalpáveis,
o balbuciar, todo em amarelo, dos limões...
Cintura na pedra, correio subtil de Lesbos para Marte.

Antinous visitou-me. Deixou a casa desarrumada 
e um projecto em mim demasiadamente longo.
No frágil da memória eu durmo e sou eu,
deuses de papelão sentando-se a meu lado. 

No leito fluvial por onde dorme o cisne
chamam por mim os outros príncipes. Todos
irmãos.

Escuridão nova na velha escuridão,
efeito de luz nas janelas do poema...


O meu cão dorme. He is a poet, isn't he?

Mário Botas, “Canto de Mar – antologia de poesia sobre a Nazaré”

26 dezembro, 2013

(...)
adormecemos
com uma mão debaixo da cabeça
e com a outra num aterro de planetas

os nossos pés abandonam-nos
e tocam a terra
com as suas raízes minúsculas
que de manhã
arrancamos dolorosamente

Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"
ESCOLHIDO PELAS ESTRELAS

Ele não é um anjo
é um poeta

não tem asas
tem apenas a mão
direita coberta de penas

agita o ar com ela
levita durante três segundos
e cai de seguida

quando está quase pousado
ganha de novo impulso com as pernas
paira por um instante
agitando a mão coberta de penas

oh se só ele pudesse vencer a atracção
da terra
poderia viver num ninho de estrelas
poderia saltar de raio em raio
poderia -

mas as estrelas
à simples ideia
de serem a sua terra
quase morrem de medo

o poeta cobre os olhos
com a mão coberta de penas
não sonha mais com voar
sonha com uma queda
aquela que como um relâmpago desenha
o perfil do infinito

Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"

(obrigada, G.)
Zbigniew Herbert
Zbigniew Herbert
DUAS GOTAS

A floresta estava a arder -
contudo
cingiam o pescoço com as mãos
como se fossem ramos de rosas

As pessoas corriam para os abrigos -
ele disse que a sua mulher tinha uma cabeleira
em cujas profundezas se podia esconder

Cobertos por uma manta
sussurravam palavras impúdicas
a litania daqueles que se amam

Quando as coisas se tornaram feias
saltaram para dentro dos olhos de cada um
e fecharam-nos com firmeza

Com firmeza não sentiram as chamas
quando elas chegaram às pestanas

Até ao fim foram corajosos
até ao fim foram fiéis
até ao fim foram semelhantes
como duas gotas
coladas na orla de um rosto

Zbigniew Herbert, "Escolhido pelas Estrelas"