01 maio, 2017

e aquele que espia o perfume



José Pinto de Sá, Maputo, 2016






















X

Escolhe um grande chapéu cuja aba seduzamos. O olho recua um século nas províncias da alma. Pela porta de cré vivo vêem-se as coisas da planície: coisas vivas, ó coisas
    excelentes!

   (...)
   muitas coisas sobre a terra para escutar e para ver, coisas vivas entre nós!
   festas de comemoração ao ar livre para os aniversários das grandes árvores e cerimónias públicas em honra de um charco; consagrações de pedras negras, perfeitamente redondas, invenções de nascentes em lugares mortos, sagrações de tecidos na ponta das varas à aproximação dos desfiladeiros, (...)
    muitas outras coisas ainda à altura das nossas têmporas: os curativos dos animais nos arrabaldes, as sublevações da multidão ao encontro dos tosquiadores, dos poceiros e dos capadores; as especulações na aragem das colheitas e a ventilação do feno na ponta das forquilhas sobre os telhados; as construções de cercas de terracota rosada, (...)
    ah! todo o tipo de homens nas suas maneiras e feitios: comedores de insectos, de frutos de água; portadores de emplastros, de riquezas! (...) e o homem de nenhum ofício: homem do falcão, homem da flauta, homem das abelhas; aquele que extrai o seu prazer do timbre da sua voz, aquele que descobre a sua utilidade na contemplação de uma pedra verde; que faz arder para seu prazer um fogo de cortiças no telhado; que faz um leito de folhas odoríferas sobre a terra, e nele se deita e repousa; que pensa em desenhos de cerâmicas verdes para bacias de águas vivas; e aquele que andou em viagens e sonha voltar a partir; que viveu num país de grandes chuvadas;(...) aquele que tem opiniões acerca da utilização de uma cabaça; (...) aquele que recolhe o pólen num vaso de madeira (e o meu prazer, diz ele, está nesta cor amarela); aquele que come fritos, vermes das palmeiras, framboesas; aquele que adora o sabor do estragão; aquele que sonha com um pimento; (...) e aquele que espia o perfume do génio nas fendas recentes da pedra; (...)


Saint-John Perse, Habitarei o Meu Nome  (trad. João Moita)



  

30 abril, 2017

Magdalena Abakanowitcz (1930-2017)

Magdalena Abakanowitcz, Red Abakans, 1969

27 abril, 2017


A mí me han dado un silencio
pleno de formas y visiones 

Alejandra Pizarnik


Foto de Cristina Tavares.
CT, abril 2017

25 abril, 2017

                                                     

             















CT, abril 2017



Não sei como dizer-te que minha voz te procura
e a atenção começa a florir, quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando longamente teus pulsos
se enchem de um brilho precioso
e estremeces como um pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo distante,
e na terra crescida os homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.


Herberto Helder, A Colher na Boca

24 abril, 2017

Lourdes Castro

Lourdes Castro, Sombra projectada de Solange Dias, 1973

18 abril, 2017

nascer em desaparecimento

Edouard Vuillard, Au Théâtre, 1892



















É preciso a humildade para aceitar o humano: a sua condição primeira de que se nasce em desaparecimento. As imagens, a procura são o diálogo com esse desaparecimento.


Maria Gabriela Lhansol

15 abril, 2017

Alberto Carneiro (1937-2017)

Alberto Carneiro, 2013




















A natureza sonha nos meus olhos desde a infância. Quantas vezes adormeci entre as ervas? A minha primeira casa foi em cima da cerejeira que hoje é uma escultura. Entre o meu corpo e a terra houve sempre uma identidade profunda. A floresta ou a montanha que eu trabalho num tronco de árvore ou num bloco de pedra fazem parte integrante do meu ser.

~~

Uma nuvem, uma árvore, uma flor, um punhado de terra situam-se no mesmo plano estético em que nos movemos, são parte integrante do nosso mundo, são um manancial de sensações vindas de todos os tempos, através duma memória que tem a idade do homem. Não a pedra pelo seu lado externo, pela conversão dos seus valores formais, mas pelas qualidades do seu íntimo, pelo cosmos que está nela e o qual nos é dado possuir na simplicidade em que a coisa vive.


Alberto Carneiro

12 abril, 2017

Wrapped Trees

Christo & Jeanne-Claude, Wrapped Trees, 1997-98

06 abril, 2017

Jesús Jiménez Domínguez


Amamos as coisas redondas e pensamos
que vão ser eternas amáveis e perfeitas:
a toranja debaixo do rotundo sol de agosto,
a pulseira que orbita em volta do pulso,
a moeda com duas faces e nenhuma cruz,
a bola de praia em cujo interior que ainda se respira
um ar paciente de mil novecentos e oitenta e dois.

Há dias redondos em que tudo se encaixa
e a vida parece andar sobre rodas:
alguém, de lixa na mão, encarregou-se
de subtrair ao mundo todas as esquinas,
todas as arestas, todas as bordas.

Mas basta que atravesses um declive
ou que tudo se volte, de repente, para cima,
para verificar que são as coisas redondas
as primeiras a sair e a começar a correr:
a toranja, a pulseira, a moeda e a bola.

Eu recuso-me redondamente a aceitar tais desplantes.
Às formas esféricas eu oponho as coisas informes.
Escolho as imperfeitas, as imprecisas, as irregulares.
Aquelas cheias de defeitos, amolgadelas ou dobras.
Bonitas e originais, sem se sujeitarem a nenhum centro,
só elas permanecem e nos acompanham sempre.


Jesús Jiménez Domínguez, Ensinar o Eco a Cantar


04 abril, 2017

Lygia Clark

Lygia Clark, Sundial, 1960

03 abril, 2017

António Gonçalves Pedro

Learn how to see. Realize that everything connects to everything else.

Leonardo da Vinci


















02 abril, 2017

Kunié Sugiura

Kunié Sugiura, Market Front, 1978

Kunié Sugiura,Winter Branches, 1977-78
Kunié Sugiura,Yellow Floor, 1977

01 abril, 2017

Emile Bernard

Emile Bernard, Madeleine au Bois D'Amour, 1888

31 março, 2017

Samuel Joshua Beckett, Louie Fuller Dancing, c.1900

30 março, 2017

CT, Objectos do Céu Profundo, 2017

28 março, 2017

Lee Miller

Lee Miller,Viena de Áustria, 1945


Lee Miller, Nuremberga, 1945


Lee Miller,Colónia, 1945

27 março, 2017

José Pinto de Sá, Évora, 2017



























devolvo-te ao sonho
e à palavra
se é sonho
e se é palavra
o que desejas

devolvo-te
a ti mesmo
se acaso
te procuras

desvio a luz
para que olhando
vejas


Y.K.Centeno , Perto da Terra


26 março, 2017

Mbate Pedro

não esperar para além do esgar do papel
não esperar para além da fecundidade do não pedido
demorar as palavras na mão
fazer crescer qualquer coisa com três
metros e meio de altura e alguns centímetros
de comprimento
pacientar-se
deixar meio milímetro livre entre duas palavras
dois vírgula sete centímetros para
caberem as oito letras da angústia
ousar abrir o esporão das vírgulas
levantar os pontos de exclamação até à altura do
silêncio e da
eternidade
passear os olhos pelos quatro cantos do
papel como se lhe procurássemos a nudez disfarçada
de súbito
deixar cair os olhos
nesse espaço alegre entre duas linhas
contemplar
a brancura do papel como se ao amarrotá-lo
se soltassem as flores
ver despontarcomo caranguejos que o mar despreza –

a escrita circular e a consciência do encarcerado

Mbate Pedro, VácuosMoçambique, 2017

25 março, 2017

Seamus, ainda

Quando nada mais tiveres a dizer, conduz
Um dia inteiro contornando a península.
O céu tão alto como sobre uma pista,
A terra sem marcas que digam se chegamos,

Sempre a caminho, mas sempre aquém de avistar terra.
Ao sol-pôr, horizontes sorvem mar e colina,
O campo lavrado engole a branca empena
E estás de novo no escuro. Agora relembra

O brilho da areia, um tronco em silhueta,
Aquela rocha que esfarrapava as ondas,
Aves marinhas com pernas como andas,
Ilhas navegando por entre a névoa,

E regressas a casa sem nada p’ra dizer
A não ser que agora lerás qualquer paisagem
Assim: a nitidez das coisas em suas formas,
Água e terra definidas nos seus limites.


Seamus Heaney, Da Terra À Luz

24 março, 2017

Seamus

Geray Sweeney, Seamus Heaney com a sua filha Catherine
























Fantasma que vens farejar a madrugada,
Caminhante enfrentando a chuva pela noite,
Interroga-me de novo.

Seamus Heaney, Da Terra à Luz

Harry Callahan

Harry Callahan, Cape Cod, 1972

23 março, 2017

Christian Boltanski

Christian Boltanski, Hotel dos Imigrantes, Buenos Aires, 2012

21 março, 2017

Michaël e Anne

Michaël Borremans, The Wooden Skirt, 2011







































Tem cuidado com as palavras,
mesmo com as milagrosas


Anne Sexton

20 março, 2017

Ellsworth e Etty

Ellsworth Kelly





























Faz aquilo que a tua mão acha que deve fazer e não penses demasiado antecipadamente. Portanto, agora fazemos a cama e levamos as chávenas para a cozinha e depois logo vemos."

Etty Hillesum, Diário 1941-1943

19 março, 2017

Diego Rivera

Diego Rivera, Natureza Morta com Gerânio, 1916

Al Taylor

Al Taylor, Untitled, 1971

18 março, 2017

Kobayashi Kokei

Kobayashi Kokei, 1939

17 março, 2017

Elliott Erwitt

Elliott Erwitt, Egypt, 1958

12 março, 2017

2 nobody


CT, Objectos do Céu Profundo, 2017














I'm Nobody. Who are you?
Are you— Nobody—too?

Emily Dickinson



10 março, 2017

06 março, 2017

Girl with feathers

Michael Borremans, Girl with Feathers, 2010

05 março, 2017

Al Taylor

Al Taylor, Helen, 1976

Al Taylor, Marriage, 1975

04 março, 2017

Harry e Paul

Harry Callahan, Detroit, 1948



















J’entends ta voix dans tous les bruits du monde.
Paul Eluard

03 março, 2017

The Devil's Dress

Michaël Borremans, The Devil's Dress, 2011


Paula Rego

Paula Rego, Agonia no Horto, 2002

02 março, 2017

La Demoiselle

Alexander Calder, La Demoiselle, 1939

24 fevereiro, 2017

Winged Figure



Barbara Wepworth, Winged Figure, 1962





















Joan e Marguerite


Joan Mitchell, The Bluets, 1973



















"Le véritable lieu de naissance est celui où l'on a porté pour la première fois un coup d'œil intelligent sur soi-même"

Marguerite Yourcenar, Mémoires d'Hadrien