30 novembro, 2015
29 novembro, 2015
as palavras milagrosas
Nesse tempo eu era hóspede da terra.
Deram-me no baptismo o nome – Anna,
O mais doce para os lábios e os ouvidos
das pessoas.
Assim fascinada conhecia a alegria
terrestre
E contava festas não por doze,
Mas por tantos quantos dias no ano
havia.
Obediente a uma imposição misteriosa,
Tendo escolhido um livre companheiro,
Eu amava somente o sol e as árvores.
Certo dia encontrei num verão tardio
Uma estrangeira na hora enleadora da
madrugada
E ambas nos banhávamos num mar cálido.
Parecia-me estranha a sua roupa,
Mais estranhos – os lábios, e as
palavras –
Como estrelas caíam numa noite de
setembro.
E esguia, ela ensinava-me a nadar
Com a sua mão apoiando-me o corpo
Inexperiente nas ondas firmes.
E várias vezes, de pé na água azul,
Ela comigo falava,
E parecia-me que os cimos do bosque
Rumorejam, ou a areia crepita,
Ou com voz de prata a volinka
Ao longe canta a noite das despedidas.
Mas eu não conseguia fixar as suas
palavras
E muitas vezes acordava alta noite com
uma dor.
Apetecia-me a boca meio aberta,
Os seus olhos e o penteado liso.
Como a celeste mensageiro, implorava
Então à melancólica rapariga:
«Diz-me, diz-me, para quê se apagou a
memória
E, com tal tormento acariciando os
ouvidos,
Tiraste o deleite da repetição?.»
E apenas uma vez, quando eu colhia
Uvas para um pequeno cesto entrançado,
E a morena estava sentada na relva,
Os olhos fechados e as tranças soltas,
E lânguida e quebrantada
Pelo cheiro dos pesados bagos azul
ferrete
E pelo respirar mordente da hortelã, -
Colocou as palavras milagrosas
No tesouro da minha memória.
E deixei cair o cesto cheio,
Colei-me contra a terra seca e abafada,
Como contra o amigo, quando o amor
canta.
(Outono 1913)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
28 novembro, 2015
Uma pequena palha
Nariz e lábios de Akhenaten, 18ª dinastia, Egipto |
SOMBRA
Sempre mais elegante, mais rosada, mais alta que todas,
Para que vens ao de cima do fundo dos anos tombados
E a memória rapace diante mim faz tremular
O teu perfil transparente por trás dos vidros do coche?
Como se discutia nessa altura - tu, anjo ou pássaro!
Uma pequena palha te chamou o poeta.
Para todos por igual através das negras pestanas
Dos olhos em abismo fluía a terna luz.
Oh sombra! Perdoa-me, mas o tempo claro,
Flaubert, a insónia e os lilases tardios
De ti - bela de 1913 -
E do teu dia indiferente e sem nuvens
Me fizeram lembrar... Mas tais recordações
A mim não me ficam bem. Oh sombra!
(9 de Agosto de 1940. De noite.)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
1940
AOS HABITANTES DE LONDRES
O vigésimo quarto drama de Shakespeare
Escreve-o o tempo com mão impassível.
Próprios participantes do terrível banquete,
É melhor Lear, Hamlet, César
Lermos sobre o rio de chumbo;
Hoje é melhor a pobre pomba Julieta
Com cânticos e tochas levar ao caixão,
É melhor espreitar as janelas de Macbeth,
Tremer com o assassino pago, -
Este, contudo, não, este não, este não,
Este já não conseguimos ter forças para ler.
(1940)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
O vigésimo quarto drama de Shakespeare
Escreve-o o tempo com mão impassível.
Próprios participantes do terrível banquete,
É melhor Lear, Hamlet, César
Lermos sobre o rio de chumbo;
Hoje é melhor a pobre pomba Julieta
Com cânticos e tochas levar ao caixão,
É melhor espreitar as janelas de Macbeth,
Tremer com o assassino pago, -
Este, contudo, não, este não, este não,
Este já não conseguimos ter forças para ler.
(1940)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
Anna Akhmatova
Perdoar-me-ás esses dias de Novembro?
Nos canais que vão ao Neva tremulam as luzes.
Do trágico outono são pobres os esplendores.
(Novembro de 1913, S. Petersburgo)
Acordar de madrugada
Pois a alegria sufoca,
E olhar pela vigia
Para as vagas de cor verde,
Ou no convés com mau tempo
Gasalhada em brandas peles,
Ouvir o bater da máquina,
E não pensar em nada,
Mas, pressentindo o encontro
Com esse que se tornou minha estrela,
Pelas gotas salgadas e o vento
Em cada hora rejuvenescer.
(Julho de 1917, Slepnevo)
Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)
Nos canais que vão ao Neva tremulam as luzes.
Do trágico outono são pobres os esplendores.
(Novembro de 1913, S. Petersburgo)
´´´´´´´
Pois a alegria sufoca,
E olhar pela vigia
Para as vagas de cor verde,
Ou no convés com mau tempo
Gasalhada em brandas peles,
Ouvir o bater da máquina,
E não pensar em nada,
Mas, pressentindo o encontro
Com esse que se tornou minha estrela,
Pelas gotas salgadas e o vento
Em cada hora rejuvenescer.
(Julho de 1917, Slepnevo)
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27 novembro, 2015
25 novembro, 2015
Marina Tsvetáeva
Não verás a visita da noite...
Para sempre, perdoa e adormece
No abrigo a toda a prova
Daquesta luz impossível.
Mas se - não julgues que te ilude
O ouvido! - a que te ama -
Se apartar um pouco, se a noite
For pranto, e a cítara - for peito...
Isso é o meu amante, de louros
Na fronte, que virou os cavalos para fora
Da liça. São ciúmes de Deus
Pela sua favorita.
Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)
Para sempre, perdoa e adormece
No abrigo a toda a prova
Daquesta luz impossível.
Mas se - não julgues que te ilude
O ouvido! - a que te ama -
Se apartar um pouco, se a noite
For pranto, e a cítara - for peito...
Isso é o meu amante, de louros
Na fronte, que virou os cavalos para fora
Da liça. São ciúmes de Deus
Pela sua favorita.
Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)
24 novembro, 2015
Marina Tsvetáeva
Para não me veres -
Na vida - cinjo-me da cerca
Invisível e penetrante.
Cinjo-me da madressilva,
Cubro-me do algodão da geada.
Para não me ouvires
Na noite - com manha de velha
Me dissimulo - e me protejo.
Cinjo-me do restolhar,
Cubro-me de ramagens.
Para que não floresças muito
Em mim - nos silvados: enterro-me
Nos livros ainda em vida:
Cinjo-te de fantasias,
Cubro-te de ilusões.
Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)
Na vida - cinjo-me da cerca
Invisível e penetrante.
Cinjo-me da madressilva,
Cubro-me do algodão da geada.
Para não me ouvires
Na noite - com manha de velha
Me dissimulo - e me protejo.
Cinjo-me do restolhar,
Cubro-me de ramagens.
Para que não floresças muito
Em mim - nos silvados: enterro-me
Nos livros ainda em vida:
Cinjo-te de fantasias,
Cubro-te de ilusões.
Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)
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22 novembro, 2015
21 novembro, 2015
20 novembro, 2015
19 novembro, 2015
Piet e Doris
Doris
Lessing
18 novembro, 2015
invincible été
17 novembro, 2015
Heiner e Paulo
Em verdade, ele viveu em tempo de trevas.
Os tempos ganharam em luz.
Os tempos ganharam em trevas.
Quando a luz diz: Eu sou as trevas,
Disse a verdade.
Quando as trevas dizem: eu sou
A luz, não mentem.
Os tempos ganharam em luz.
Os tempos ganharam em trevas.
Quando a luz diz: Eu sou as trevas,
Disse a verdade.
Quando as trevas dizem: eu sou
A luz, não mentem.
Francesca e Simone
16 novembro, 2015
Outono e seda e nada
13 novembro, 2015
Helene e Paul
12 novembro, 2015
11 novembro, 2015
Cy e Jean
Cy Twombly |
O anjo não se preocupava muito com a minha revolta.
Eu só era o seu veículo, e ele tratava-me como veículo.
Jean Cocteau, O Livro Branco
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09 novembro, 2015
Cy e Pablo
Cy Twombly, Untitled, 2001 |
Amo-te sem saber como, ou quando, ou onde. Amo-te simplesmente, sem
problemas ou orgulho; amo-te desta maneira porque não conheço outra forma de
amar que não esta, na qual não existe eu ou tu, tão íntima que a tua mão no meu
peito é a minha mão, tão íntima que quando adormeço os teus olhos fecham.
Pablo Neruda
Pablo Neruda
08 novembro, 2015
07 novembro, 2015
Bruno Munari
“Não podendo mudar os adultos, escolhi trabalhar com as crianças para que cresçam melhores (adultos). É uma estratégia revolucionária a de trabalhar sobre e com as crianças enquanto futuros homens. Temos de nos ocupar das crianças e dar-lhes a possibilidade de se formarem com uma mente mais elástica, mais livre, menos bloqueada, capaz de tomar decisões. E, direi, também um método para enfrentar a realidade, seja como desejo de compreensão como de expressão. Portanto, com este objectivo, devem ser estudados aqueles instrumentos que passam sob a forma de jogo mas que, na realidade, ajudam o homem a libertar-se.” B.M.
“Estamos a fazer uma revolução, mas atenção, digamo-lo em voz baixa, podem ouvir-nos. Uma criança criativa será um adulto, uma pessoa livre, uma pessoa perigosa…” B.M.
Beba Restelli, Giocare con il tatto, 2002 (il mio encontro con Bruno Munari)
Bruno Munari, Imagens da Realidade, 1977 |
06 novembro, 2015
Bernd e Hilla Becher
05 novembro, 2015
Zang e Lawrence
02 novembro, 2015
Joan, Helen e Grace
01 novembro, 2015
Thomas e Hannah
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