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09 fevereiro, 2016

é preciso é querer saber

Entrevista ao diretor do Museu do Aljube, por FMG

(tanto que há para descobrir dos que lutaram pela liberdade)


30 janeiro, 2016

Frederico e Saul

Saul Leiter, Taxi, 1957













Com os anos os meus olhos ficaram azuis.
O castanho infantil degradou-se com exposições
Solares
Exageradas. E demasiadas leituras. E Caligrafias.
Creio no pigmento dos olhos como demonstração
Matemática do rigor extremo das horas pesadas.


Frederico Mira George, O Veneno Solitário





14 dezembro, 2015

Saul e Frederico, outra vez

Saul Leiter, Red Umbrella, c.1958







































As premonições existem em directa
consequência do uso imperfeito de cordas
no coração. Turvados os contornos à retina,
cordas-vocábulo em falso,
cordas-espasmo por cada ofensa,
ei-las, as veias d’aparição.

Frederico Mira George, O Veneno Solitário

13 dezembro, 2015

Saul e Frederico

Saul Leiter, Walk with Soames, 1958


























Na horizontalidade das vésperas, ainda
perdura a clarivisão desse itinerário. «Vou
sentado detrás a ti. Sem murmúrio, sem vulto.
Estanque como um relógio prescrito, reconhecendo
nas palpitações microscópicas dos teus dedos,
uma febre súbita de ceder
e uma última hesitação aplanada no estrado do cais.»


Frederico Mira George, O Veneno Solitário



16 setembro, 2015

Creio nas aparições e no nevoeiro

Creio nas aparições e no nevoeiro,
nas estradas curvas junto dos outeiros.
Creio num mar ao longe que não se vê,
na encruzilhada em forma de escada.
Creio na serra, nos altos, até nas espadas.
Creio na eternidade ligeira de uma escarpa,
e nas árvores que nascem inclinadas.
Creio que tudo tem asas e que o sol não esconde nada.
Creio no regresso das montanhas
Ao precipício feliz do amor verdadeiro. 


Frederico Mira George, O Veneno Solitário

13 setembro, 2015

Setembro lembra-se de Agosto

Frederico Mira George, Setembro lembra-se de Agosto, 2015

Michaël e Frederico, verde e preto

Michaël Borremans, The Hornet, 2008
Michaël Borremans, The Angel (detalhe), 2013

















































Não é possível tê-la avistado.  Os múltiplos transeuntes
que cruzavam a tarde abaixo das arcadas, envidavam
a tintura d'esta idade e a geografia do calendário: humanais
acatando a benção de ser desconhecido à minha passagem.
¡E entre eles, lá estava! Pétrea no vestido púrpura
raso aos pés;  o cabelo nocente; a sombrinha
negra com castão de prata. Os olhos de vidro verde.

Frederico Mira George, O Veneno Solitário


25 dezembro, 2014

Satã

7.

Há quem chame «poeta» àquele que «faz» poemas.

Mas os poemas não se fazem, nem poeta tem directa
relação com poema. Poema, justamente, é
aquilo que não se faz, que está além do fazer. Ser Poeta
é ter um busto – até pode ser o da república – empedernido nas
células, no peito, nas falanges dianteiras do corpo... O poema 
existe. Está lá, num «lá» encoberto a que apenas chegam os que
, removidos da alma, esperam infinitamente.


8.
Para o António Cândido Franco


Quando consigo ler aquilo que Pascoaes escreveu
, experimento um calafrio nuclear na boca e uma vontade
periódica de gritar. Nunca me transporto para Amarante,
nem me sinto encarnar árvore em S. João de Gatão...
... às vezes nem me recordo do focinho avatar
com que sempre planeou as fotografias
em que se deixou fixar.
Aquilo que Pascoaes escreveu ainda não foi escrito.
É um lento e pesaroso meio-dia dos vocábulos, uma via-sacra
que ele abriu com o desenho em branco da sua caligrafia loira
, redonda, povoada de anjos e cristos aguarelados.



15.

Ainda não era noite, quando, na forja
do café, ardi um dedo no que de mais digital
o confecciona. Adivinhei, como não sabia que se podia adivinhar,
o torrão externo do tacto. E sobrou ter a minha pele agarrada
àquela grelha invisivelmente ardente, para
, pela primeira vez, Ver a impressão do que me toca
invés da habitual intuição de tocar. Tocar
pele e ter tocada a pele, são duas substâncias tão distintas
e removidas da realidade nuclear dos sentidos,
que se torna insuportável pensar que não
se sabe, nem por estimação, daquilo que experimenta o que nos toca, a menos que, por um segundo, o fogo-real-que-queima
, nos acenda... um dedo
, que seja



19.

A luz de um cair-da-tarde no fim de Março
traz uma representação de desesperança
que nem o sono alivia no cansaço.
Com a insolência distinta dos pombos,
os céus tornam-se sonorosos, verdes-escuro,
apartando os anjos das almas que os refletem.
Pior seria ter de andar pelo campo,
respirar fedores de terra e sementes de trigo,
ver bois ao longe com medo de estarem perto,
ou ser tentado a colher uma réstia de flor como
acto de contrição por todo o mal de ter nascido.
Antes a cidade e a luz eléctrica: iluminação
pública, semáforos.
Antes passeadouros a imitar canais venezianos.



21.

ao adormecer Li uns versos em alemão
e, porque não sei alemão, tudo me constou certo
, amplo, verdadeiramente amplo,
verdadeiramente certo.
Aqueles versos fluíram-me pelas veias
no clamor adorável de cada sentença.
Aventuro agora dizer que encetei bem o dia,
pois que nutri, lendo versos em alemão, é
exactamente a ignorância que desejo aos
que lêem os meus versos portugueses.


Frederico Mira George, Satã, 2011

02 dezembro, 2014

Vigésimo segundo
{em memória de Elisabete George Rodrigues}
Revejo os ciprestes do cemitério {à direita de casa}, As
alas do xadrez onde andava à escola, As sardinheiras
à porta da tabacaria {cigarros avulso e esferográficas}.
Desse tempo entre ciprestes e acácias, revejo a avó
revestida em pele de cera e já viúva, a ver-me subir as escadas,
muda, longânime, espelhando a evidência de me saber
inconforme, externo, a qualquer vereda.
Frederico Mira George; O Veneno Solitário

25 outubro, 2014

#2

Quando alcançarem o cadáver em verossímil conserto
físico — ainda que informe de tamanho e difícil
reconhecença etária —, os físicos acusarão morte súbita. Súbita
como a passagem d’um segundo sem esforço.
Conquanto, no campo superior do papel d’óbito, o fenomenal
facto escrito do desfecho. Adentro do arcabouço
masculino, alojava-se belíssimo, um colossal coração invertido.
Frederico Mira George, O Veneno Solitário, 2014

03 setembro, 2014

Décimo segundo
Querida Sophia, restituo hoje
o oceano por ti engenhado. O
Atlântico escrito de gigante-despido
e diro… ou humilhado, e mínimo, como gente.
Algodoal num fio redondo ao fuso
que devolvo. Retorna hoje ao teu fumo
o extremo mar d’ocidente que em mim depositaste.
Frederico Mira George, Esteganographias, 2014

~~~~

Décimo nono
{«Cheguei hoje e fui até à casa onde morreste. Ainda lá está o Teixo. Fiquei uns minutos, solene, a imaginar-me.»}
Nunca desci à praia. Mas claro,
todos os dias entrevi o mar com fotográfica
religião; senti-lhe o contorno nas pálpebras
e d’Inverno chorava ponteiros-de-relógio
, inepto, sem consumar tamanho desejo d’areia.
¡Os poetas são sempre a encarnação do desacerto!

Frederico Mira George, Esteganographias/Aqui Começa o Atlas, 2014

18 maio, 2014

podia ter sido feliz
acordando e adormecendo
alimentando-me das pequenas algas do tanque
vendo os roedores correrem por entre os laços das árvores
acordando e adormecendo
alimentando as pequenas algas do tanque

Frederico Mira George, Caixa Negra, 2006


Bill Henson,untitled, 2005-06

11 abril, 2014

Poema número 20


Acordo e forma-se um silêncio espantoso
na boca. É como ter os dentes colados,
Os lábios açaimados com cordas e a língua
Completa de verbos, incapaz. São horas
Mudas e primitivas, pensando livros.

Frederico Mira George, Um Fósforo na Mão, 2013

22 março, 2014

 #5
» Quando os verões completos voltarem — todos
Cheios de Júpiteres e navestransmarítimas, iludindo
Os de olhos postos nos maestros d’ébano altíssimos —,
Já não precisarei de cá estar. Até lá vou remoendo as
Tintas e os objectos de escrever que d’adulto
coleciono na escrivaninha oca do crânio. Vou!, mesmo que
Nem um texto, entre tanto, se revele pela inspiração que
Suplico aos génios do subvulcão que tenho na residência
Experimental dos pulmões. E do queixo. Receba eu sinal
do peixes e vou-me deste campo. «

 #7
» Vesti-me de lavado com panos d’algodão quente
Depois do banho. Meias flexíveis, cuecas que encaixam,
Meia dúzia de pequenos luxos: camisola-interior,
Cheiro a desinfecto debaixo-dos-braços, pasta nos
Dentes durante a esfrega… Os sapatos até ficam
Sofríveis com as palmilhas almofadadas a cem escudos,
Propositadamente compradas ontem, para a manhã d’hoje.
Um lugar na mesa do centro, pão-de-bico com café,
Queque caseiro, tabaco americano {aqueles cigarros
Compridos muito em uso por damas-poeta}, e, a,
Boquilha de filtros de cristais para aliviar a convulsa
Dos pulmões. “Os fumadores morrem prematuramente” — [aviso Governamental do Plano Nacional de Poupança contra excessos de Cuidado em casos de cancro pulmonar ou de a laringe] —,
E a manhã corre nobilíssima, espantada de fenómenos.«

Frederico ‘W George , Psicographário Poético
Robert Rauschenberg, Bed, 1955

18 maio, 2008

procurei que as coisas acontecessem
procurei no céu olhares misteriosos
e na terra o sabor sereno dos diospiros
plantei algumas árvores
e desenhei e escrevi e pintei
terá sido em vão porque não se procura
nada nos céus nem na terra
porque de nada vale o sabor de um fruto
ou um desenho um vocábulo uma cor
ainda assim
quando não esperava
encontrei uma pequena esfera no chão
desconheço o seu uso mas trago-a na mão

Frederico Mira George, "poemas dispersos", 2008

13 abril, 2008

robert e frederico


Rober Mapplethorpe, "Leaf", 1989


w:
é uma flor.voa como uma flor. morre.como o coração

Frederico Mira George, "Silenciário", 2008

03 abril, 2008


James Welling, 2005


#17
ainda trago os espinhos na palma dos pés no início parecia uma caminhada tão simples pura e transparente mesmo com muito esforço as agulhas não saem talvez estejam definitivamente cravadas não sinto dor não sinto os pés sofro só a memória do primeiro andamento/


Frederico Mira George, "O Caderno Feliz", 2008


01 fevereiro, 2007

caligrafia inexplicável

# 35
não sei se é real… fiquei
com a boca seca e isso distraiu-me.
chegámos a dizer adeus?se não o dissemos não o devemos
dizer agora. nunca devemos
dizer adeus
depois de crescerem cadáveres:
vasos dentro de nós.




# 34
qualquer coisa se desprendeu de mim.
alguma.
coisa. se. desprendeu
de mim. mas o quê?

Frederico Mira George, "Caligrafia Inexplicável", 2006