30 abril, 2012

a voz 71-80


71.
não existe um grau de bondade 
excessivo.



72.
a figura da palavra
está ante mim
sem sorrisos.



73.
ontem perdi um grande amigo
o gafanhoto azul.



74.
analisámos o sangue de cada ideia
e a conclusão foi clara.



75.
pequeno risco de segurança
ficar acordada.



76.
aceitar
deliquescer.



77.
a lente apresenta a velocidade
de uma série de objectos
preciosos.



78.
desenho os movimentos do coração.



79.
várias vezes a mão obriga os olhos 
a fechar.



80 .
magnólia alva
como o coração



28 abril, 2012

a voz 61-70


61.
vou guarnecer de asas
a memória da tua infância.



62.
 menino perdido entre minúsculas.



63.
perdi o apêndice recurvado
da dúvida.



64.
ofereço-me à saudação angélica da 
manhã.



65.
admiro a capacidade  de 
desenvolvimento
das montanhas e dos vírus.



66.
digo muito baixo estas coisas
para o resto fazer sentido.


67.
com a idade
os loucos desistem.



68.
sossegada
instalei-me no delírio.



69.
trabalho na terra
o idioma do ar.



70.
as pessoas trazem
fios
para ligar a alegria à dor.

23 abril, 2012

a voz 51-60


51.
bebo chá de
princípe
valente.



52.
oásis formado pela lágrima
de um árabe.



53.
conversa significante
como lavrar
a superfície infinita da aridez.




54.
a magnólia é a coordenada celeste
da casa nova.



55.
para arrombar as portas
dos castelos no ar
usar pólen.



56.
uma comprida viga
tem num extremo a doçura
noutro a teimosia.




57.
trago-te no peito
como o invólucro acessório da semente.




58.
a raiz seca do delírio
entra em casa.




59.
o astro considerado de menor 
importância
tolera com dificuldade a luz.




60.
não sei bem o que diga
da ascensão ao delírio.

22 abril, 2012

a voz 41-50


41.
estás ao lado da estrela polar
e do guizo das constelações.



42.
um momento feliz
um momento feliz
um momento feliz



43.
a viagem poderá ser prolongada
a bordo de uma borboleta.



44.
o general seguiu o lírio
meditando nas estirpes da neve.




45.
vimos, no meio da multidão,
indetectáveis  aves, violoncelos em trânsito.




46.
lume
que flutua
sobre os órgãos.




47.
as células vegetais
dos meus olhos
simplificam tudo.




48.
qualquer caligrafia
apura o som.




49.
exprime a ideia do amor
absoluto
a flor.



50.
aquele que não viaja
já chegou.

20 abril, 2012

a voz 31-40


31.
os animais dotados de pianos interiores
entram em primeiro lugar.



32.
segredo de um coelho:
pés de veludo azul.



33.
seguir novamente
em torno do eixo
de uma só ideia.



34.
o projeccionista
deixou a conta sobre a mesa.



36.
promulgo a lei do mais fraco
tremor.



37.
um campo solitário e ermo
esta palavra.



38.
assisto à duração de vida de um lago.



39.
seria útil
uma breve explicação
deste murmúrio.



40.
quando escrevo
deixo de sonhar a cores.

19 abril, 2012

a voz 21-30


21.
este é um quadro pintado
no verniz da opala.



22.
junto os dedos
separar-me de ti.



23.
eu mesmo devastarei esta terra
pequena região da palavra.



24.
a céu aberto
a sombra.



25.
não hesito em conspirar com os 
minerais.



26.
sopro
em frente dos lábios
a rosa.



27.
todos os dias
sem nunca deixar de ouvir
a paciência.



28.
aí nos surge o tempo
de voltar a partir.



29.
brinco ao insaciável jardim de emily.



30.
movimento circular
do poema
em voo.

17 abril, 2012

a voz 11-20


11.
para os que querem saber
mostra-lhe o que vagueia
sem voz.


12.
costurar
o dia à noite.



13.
criação de um curso de água
junto à voz.



14.
chamei-lhe
flor
ou abismo?



15.
uma das notícias
do espelho
é sempre nova.



16.
penso em  desenhar
a giz
num sopro de ar.



17.
acima das nossas cabeças
bem acima das nossas forças.



18.
pelo que é claro
observo.




19.
uma flauta
num curso de água
através do deserto



20.
assim conseguíssemos ter
a aridez e a desolação.

16 abril, 2012

a voz 1-10


a voz
cristina tavares, 2011

1.
a voz
o veludo


2.
seguindo um cálculo rigoroso
o homem desenterra uma estátua
suja, partida, imprecisa.



3.
as abelhas
reúnem-se em segredo
todos os dias no mesmo sítio.



4.
suster as lágrimas
suprir a ausência de ar
subida ao Vesúvio.



5.
disse que não sabia nada
das classes altas do sol,
mas estendia os anéis à luz.



6.
a voz é um passageiro do ar.



7.
fiquei a saber muitas coisas
passei a sentir tudo.



8.
quando chovia
ou então nas pontes
ouvíamos
de relance
os mesmos pensamentos.



9.
nunca ninguém ensinou
a desfazer os nós dos dedos.



10.
a altura de deus mede-se
pelo tamanho do seu rasto.

15 abril, 2012

belos disparates de amor (81 a 85)


81.
ajudo a atravessar a rua
os que salvarão os cegos de cair.


82.
hoje
quem reparou
no ramo de nuvens
a dormir?


83.
deve realmente amar o chão
o alto sol.


84.
como outro qualquer insecto
os meus dedos mal reagem à leveza.


85.
tu dás-me vontade
de continuar a escrever.