28 novembro, 2015

Uma pequena palha

Nariz e lábios de Akhenaten, 18ª dinastia, Egipto


























SOMBRA

Sempre mais elegante, mais rosada, mais alta que todas,
Para que vens ao de cima do fundo dos anos tombados
E a memória rapace diante mim faz tremular
O teu perfil transparente por trás dos vidros do coche?
Como se discutia nessa altura - tu, anjo ou pássaro!
Uma pequena palha te chamou o poeta.
Para todos por igual através das negras pestanas
Dos olhos em abismo fluía a terna luz.
Oh sombra! Perdoa-me, mas o tempo claro,
Flaubert, a insónia e os lilases tardios
De ti - bela de 1913 - 
E do teu dia indiferente e sem nuvens
Me fizeram lembrar... Mas tais recordações
A mim não me ficam bem. Oh sombra! 


(9 de Agosto de 1940. De noite.)


Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)

1940

AOS HABITANTES DE LONDRES

O vigésimo quarto drama de Shakespeare
Escreve-o o tempo com mão impassível.
Próprios participantes do terrível banquete,
É melhor Lear, Hamlet, César
Lermos sobre o rio de chumbo;
Hoje é melhor a pobre pomba Julieta
Com cânticos e tochas levar ao caixão,
É melhor espreitar as janelas de Macbeth,
Tremer com o assassino pago, - 
Este, contudo, não, este não, este não,
Este já não conseguimos ter forças para ler.

(1940)


Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)

Anna Akhmatova

Perdoar-me-ás esses dias de Novembro?
Nos canais que vão ao Neva tremulam as luzes.
Do trágico outono são pobres os esplendores.

(Novembro de 1913, S. Petersburgo)



´´´´´´´


Acordar de madrugada
Pois a alegria sufoca,
E olhar pela vigia
Para as vagas de cor verde,
Ou no convés com mau tempo
Gasalhada em brandas peles,
Ouvir o bater da máquina,
E não pensar em nada,
Mas, pressentindo o encontro
Com esse que se tornou minha estrela,
Pelas gotas salgadas e o vento
Em cada hora rejuvenescer.

(Julho de 1917, Slepnevo)

Anna Akhmatova, Poemas (trad. Joaquim Manuel Magalhães e Vadim Dmitriev)




27 novembro, 2015

Ferdinand Hodler

Ferdinand Hodler, Charmed Boy, 1894

25 novembro, 2015

Marina Tsvetáeva

Não verás a visita da noite...
Para sempre, perdoa e adormece
No abrigo a toda a prova
Daquesta luz impossível.

Mas se - não julgues que te ilude
O ouvido! - a que te ama -
Se apartar um pouco, se a noite
For pranto, e a cítara - for peito...

Isso é o meu amante, de louros
Na fronte, que virou os cavalos para fora
Da liça. São ciúmes de Deus
Pela sua favorita.

Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)

24 novembro, 2015

Marina Tsvetáeva

Para não me veres - 
Na vida - cinjo-me da cerca
Invisível e penetrante.

Cinjo-me da madressilva,
Cubro-me do algodão da geada.

Para não me ouvires
Na noite - com manha de velha
Me dissimulo - e me protejo.

Cinjo-me do restolhar,
Cubro-me de ramagens. 

Para que não floresças muito
Em mim - nos silvados: enterro-me
Nos livros ainda em vida:

Cinjo-te de fantasias,
Cubro-te de ilusões.


Marina Tsvetáeva, Depois da Rússia (trad.Nina Guerra e Filipe Guerra)

23 novembro, 2015

Man Ray, Paul Eluard1939

22 novembro, 2015

Jacopo Bellini, séc. XV

20 novembro, 2015

19 novembro, 2015

Piet e Doris

Piet Mondrian, Summer, Dune in Zeeland, c. 1910













That is what learning is. You suddenly understand something  you’ve understood all your life, but in a new way.


Doris Lessing

para a construção do poema 29


18 novembro, 2015

invincible été

Au milieu de l'hiver j'ai découvert en moi un invincible été.

Albert Camus

Albert Camus com a filha Catherine, Grécia 

17 novembro, 2015

Heiner e Paulo

Em verdade, ele viveu em tempo de trevas.
Os tempos ganharam em luz.
Os tempos ganharam em trevas.
Quando a luz diz: Eu sou as trevas,
Disse a verdade.
Quando as trevas dizem: eu sou
A luz, não mentem.

Heiner Müller, O Anjo do Desespero

Paulo Nozolino, Penumbra, 1996

Francesca e Simone

Francesca Woodman, Seven Cloudy Days, Roma, 1977-78


























Attention is the rarest and purest form of generosity.

Simone Weil

16 novembro, 2015

Outono e seda e nada

Cega já hoje:
também a eternidade está cheia de olhos - 
aí dentro
se afogou aquilo que ajudou as imagens
a percorrer o seu caminho,
aí dentro
se apagou aquilo que te tirou, também a ti,
da linguagem, com um gesto
que deixaste acontecer como
a dança de duas palavras feitas de simples
Outono e seda e nada.

Paul Celan, Não Sabemos mesmo O Que Importa

Edgar Degas, s/título, 1895

13 novembro, 2015

Helene e Paul

A pintora Helene Schjerfbeck
























Estrias de arnês, eixos de prega,
pontos
de perfuração:
teu terreno.

Em ambos os pólos
da rosa do abismo, legível:
tua palavra proscrita.
Verdadeiro a norte. Claro a sul.

Paul Celan, Não Sabemos mesmo o Que Importa